quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

uma vez muito boa

a pergunta mais óbvia é a que se evita fazer - por julgar que óbvia também seja sua resposta.
decidi que estava pronta para tatuar uma vaca quando constatei que pouco me importariam os silêncios
(não se pergunta o que é óbvio)
com uma resposta óbvia para preencher a lacuna: "tatuei uma vaca por causa daquele álbum do Pink Floyd".

num dia de sol-primavera eu soube que precisava deixar Lajeado. fui até uma livraria comprar algo para meu amigo de infância, e abri um livro que dizia

Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que 
vinha andando pela estrada e a vaquinha-mu que vinha andando 
pela estrada encontrou um garotinho engrachadinho chamado 
bebê tico-taco.

essas poucas linhas sem vírgula fenderam a rocha sob a qual eu me abrigara e à minha frente abria-se o portal que desde sempre esperei. precisava passar através dele, sair de lá.
entre os dois lados há escuridão. ao se passar de um lado a outro, o passado se transforma em sonho desfeito e inacessível.

a vaca é para lembrar que o outro lado do portal existe.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Tom Bagshaw

 Saint Criminal

Pandora 

Kuchisake-Onna

New Beginnings


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre a mulher que tentou provar sua humaneidade

Olhava para a tela quebrada à sua frente.
(despedaçada pouco antes para provar que seu líquido não era mais quente que seu próprio sangue)
Percebeu que não havia nada a ser provado, nem ninguém para além da tela.
(cortara os dedos na tela e o sangue escorria quente por entre)
Queria estar longe e esquecida como se nunca tivesse sabido como é existir.
(existia sem nunca ter vivido)
Disseram que fora de onde o mundo é enquadrado numa janela, lá as pessoas são felizes.
(quis nunca ter olhado para fora)
Tirou a roupa manchada de sangue e olhou-se no espelho:
(reflexo de uma tela vazia)
tentou voar pela janela.
(sem a tela, nunca teria existido)

A tela está quebrada.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

#2

Pouca importância deu às palavras da feiticeira a senhora cristã. Julgava estar corrigindo o mal que Satã havia lhe feito por intermédio de uma pobre alma-objeto. Encomendou o serviço à feiticeira e, feito isso, sentiu sua consciência leve e lavada como sempre se deve estar. Poucos dias depois, sua filha Márcia conheceu um jovem estudante de administração e seus olhos voltaram a brilhar.
- Mamãe, precisa ver só como ele é eloquente! Pode ficar falando horas e horas sobre qualquer coisa, ele é fantástico!
Sua filha Márcia estava feliz. Justiça feita, a senhora cristã voltou à sua vida de bondades e esqueceu o incidente ocorrido com seu ex-futuro-genro e aquela outra moça grávida.

Paola tinha pouco mais de dois anos quando seus pais morreram num acidente de carro. Não tinha parentes próximos; foi adotada pelo único familiar que sabia sobre sua existência: a tia-avó de sua mãe, Constance.
A casa de Constance era a mais bonita de todas naquele bairro colorido onde fora construída.

sábado, 27 de novembro de 2010

Emmanuel Malin






(mais aqui)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010


domingo, 21 de novembro de 2010

entropia

vi felicidade nos olhos de pessoas rasas; pode ser
que felicidade seja algo raso - e eu, desengonçada e longe demais para caber nisso.
passei a manhã caminhando por ruas de casas felizes e recém-pintadas, com jardins e flores e pássaros. eu não caberia em nenhuma delas.
senti-me cinza passando pelas calçadas floridas. parada no meio de uma cidade feliz, cinza. quis arrancar as flores que fugiam das cercas, arrebentar as mãos nesse muro que cresceu ao meu redor. quis ter para quem voltar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

dream time



witch montain

Samuel Palmer



domingo, 14 de novembro de 2010

#1

Quando Paola nasceu, uma senhora cristã muito digna encomendou um feitiço para entristecer sua mãe, que havia roubado e casado e engravidado do noivo de sua filha Márcia.
E quando fez a encomenda à feiticeira, ela disse:
- Quero daquela maldita toda a esperança que roubou de minha pobre filha. Minha filha foi arruinada! Pagará, pois, com a ruína do ser que carregou no próprio ventre!
A feiticeira lhe explicou que tal ato implicaria em terríveis tramas que só o tempo desvelaria e fez seu preço. E pronunciou as seguintes palavras:
- Que assim seja: cresça a menina pequeno monstro, e cresça ainda mais a sombra que anuncia sua chegada a este mundo. Que vague eternamente solitária, que assuste a todos que dela se aproximarem: que seja um monstro.

Paola ainda era um bebê de berço quando sua mãe percebeu algo perturbador: a criança parecia brincar com as sombras. E aqueles pequenos atos de sua filha recém-nascida a perturbavam de maneira inexplicável.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Manhã no espelho (concebendo você)

E como será a manhã na Terra, amanhã? Será de todo céu azul em sintonia com as sinfonias que evadem minha janela em manhãs primaveris?
Se você perceber a plantinha que brotou à beira do caminho
(fruto da chuva que ontem fez barulho pra encobrir o choro velado de quem apenas tem a música como companhia e o riso frenético de
quem, desta vez, perdeu a sanidade)
o sol já poderá brilhar e, para alguém, significar.
Vejo-me no espelho e minhas mãos têm o sangue de todos que, num piscar de olhos, quis mortos por já serem não-mais que fantasmas; mas bem, foi só um reflexo no espelho.
(...como você)
Fora do espelho, já é amanhã.
Outro amanhã para se olhar pela janela e pensar que se poderia, com um céu tão azul, estar em outro lugar.
Mas não era aqui que eu deveria querer estar? Não era com você?
(querendo ou não, estou aqui
-você está aqui, mas não comigo)
Amanhã você acorda e faz uma lista com todas as coisas que diz precisar fazer antes de me; e todas as vezes que passo por você no corredor, sinto como se estivesse assistindo minha vida acontecer na outra margem do rio, longe de mim - que não sei nadar.
(e todas as coisas são feitas enquanto você não me vê)
Ora, você - posso dizer - é como um parêntese em que se pode encaixar qualquer um que julgue significar o bastante. Quem pode saber?
Você - que não me vê - é que não.

outubro sem nome (espelhando você)

foi num outubro tarde primaveril
que olhei para o céu até entrar no azul
e voar até as nuvens de sonho
(restos de algo que um dia esqueci)
sonhando estar onde quis, desde sempre, estar.

e lá de cima, pude ver
que onde eu sempre quis estar é aqui, e que
quem sempre esteve nos meus sonhos foi você.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

hoje a esperança foi embora.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Left out

talvez eu tenha achado que pudesse ter algum direito a sonhar com terras longe demais. não sei por que me arroguei tal direito; pode ser que tenha me acostumado ao som de teclados espaciais e pensado que seria possível.

às 10:07 de todas as manhãs, eu ajeitava o anel enferrujado na janela; e todas as manhãs eu pensava que se o sol incidisse sobre o anel e eu desejasse de verdade, um portal seria aberto no céu e eu estaria livre, em qualquer outra terra longe dali.
imaginava como seriam as pessoas do outro lado, se falariam comigo. se eram tão sozinhas quanto eu.

não existe portal. não existe ninguém do outro lado.
o sol é fosco e metálico. i'm cold inside.

The dream went away
And you came
With your dark hair loose
Ruthless cold reality
Oh, how I hate your truth
Don't turn your back this time
Just look at my eyes
I won't break down
I'm going to fight * 



(*) Left Out - Riverside

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Poeira

Quando estive sentada observando as pessoas que me observavam, abateu-se sobre mim a dúvida
se eu pareço a eles todos algo alien de longe daqui, um caso arquivado indecifrável - por isso me olham?
um alien não pode ser caso arquivado porque é por demais interessável, e um caso arquivado não suscita olhares - eis-me como um alien sentada em frente às pessoas.
Como seria o céu de quem tem todo o tempo do mundo se fôssemos maiores que nossas fôrmas? E não agimos como se tivéssemos todo o tempo do mundo? E não bebemos como se pudéssemos esquecer que não é fácil ter que esperar o tempo de cada coisa, e o tempo em que nos odiamos e queremos estar longe dali de nós mesmos, e o tempo em que não sabemos o que fazer nem temos com quem falar - e se tivéssemos com quem falar, existe esse alguém que sabesempre o que fazer?
Pó é poeira quando você não está ali para significar. poeira que seca os olhos e não deixa as lágrimas afluírem;
e no fundo no fundo, admito, não é culpa do pó se os nãos que evitam algo dessignificante
apenas não conseguem achar algo para corroer aqui dentro, onde arquivei meu coração.
(é que você não está ali para significar)
Não é estranho que o significado do agora esteja nas letras de uma banda polonesa?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sobre a dor

Mesmo se alguém com opinião suficientemente influenciável e difundida,
um alguém que resolvesse lançar um compêndio sobre a dor,
qualquer um que sabe o que é dor - um qualquer que não busque a comoção através de relatos e sintomas aglomerados num compêndio, que não corra atrás do sofrimento dos lugares mais sofríveis, que não sente em frente aos macacos agonizantes de uma realidade distante a esperar pelo toque da empatia - qualquer um que tenha um buraco constante na alma saberia que não se pode falar sobre toda densidade e profundidade de uma dor.
- E as músicas tristes que as pessoas fizeram? E os filmes? - ela perguntou enquanto servia outro copo de vinho, e senti vontade de nunca ter iniciado o assunto; soube que ela não poderia entender - mesmo se quisesse, do fundo da alma, entender; ainda, se assim fosse, menos mal eu poderia me sentir, mas estava claro que ela faria perguntas gentis sobre qualquer assunto que eu sugerisse: dor, jacarés ou eleições.
Disse-lhe que não havia parado para pensar sobre isso, e ela começou a contar a história da filha de uma tia que precisou amputar a perna esquerda. Disse-lhe coisas boas de se ouvir antes que o silêncio recaísse sobre nós - sei que ela não suportaria, embora não fosse mais que apenas alguém com quem eu poderia repetir o roteiro de sempre. Deixei que se embebedasse o suficiente para fazer logo o que - sei - ela esperava desde o começo; bebi menos que o suficiente para fingir interesse mais que sexual.

losing all i fought for

Como ela poderia saber sobre a dor desse buraco ou que perder uma perna não é a mesma coisa que se ter um buraco impreenchível? Ainda esperava cruzar meu olhar com o de alguém que soubesse sobre a indescritibilidade das dores. Cada noite amanhecida ao lado de novos corpos com olhos rasos faz ruir um novo pedaço de mim, perdido para sempre no buraco.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

não se vive só de banana

às vezes enche o saco ser tão daydreamer. estive tentando resolver enigmas e encaixar peças - daí que pareço estar num picadeiro e todos aplaudem o macaco sonhador e suas gracinhas esquisitas, mas ninguém vê o domador.
- Desinteresse também é interesse. - disse o domador enquanto lia meus pensamentos.
o macaco acordou do sonho com o estalo do chicote. saiu do centro do picadeiro e grunhiu
- Foda-se você, domador. live and let die.

é mais ou menos isso que ando fazendo; logo ali, céu azul.

Surrounded

quando eu era adolescente e ainda morava em Lajeado foi que descobri a musicura.
quando o dia parecia pesar sob toda a luz do sol lá fora, eu ouvia Surrounded; a cortina esvoaçava um pouco mais, o vento passava fresco por entre as grades da janela e logo além eu via as folhas verdes da caneleira contra o céu azul.

ora, dor é evolução. passei por todas as coisas que doeram; por que negar - e não abraçar - my shadow self?



morning comes too early
and nighttime falls too late
and sometimes all i want to do is wait
the shadow i've been hiding in
has fled from me today

i know it's easier to walk away than look it in the eye
but i will raise a shelter to the sky
and here beneath this
star tonight i'll lie
she will slowly yield the light
as i awaken from the longest night

terça-feira, 7 de setembro de 2010

to the faraway lands


Otherland - Jeannete Woitzik

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

John Keen

Quando criança, ganhei de uma vizinha alguns livros de colorir. Eram diferentes: sem bonecos rechonchudos e traços toscos; eram livros que tinham fantasmas e criaturas de casas assombradas. impressos em papel frágil e amarelecido, não serviam para as cores: fantasmas são só preto e branco.
Vejo-os pelos corredores quando a noite já sugou todas as cores e os outros foram para onde tinham que ir.

As ilustrações de John Keen me levam para a casa escura de onde vim.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

agosto

foi na sacada do sol de agosto que percebi que tudo que tenho pra oferecer são algumas palavras, e que isso não serve pra objeto de barganha.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010






















ando vivendo em sincronicidade e
pensando escaravelhos dourados.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

sala 605

ainda penso se estou fazendo a coisa certa, aqui numa cadeira de estágio para dar aula.
dar aula dar aula satura juventude ser professor cansativo - ouço essas palavras ecoando há oito semestres.
ainda penso em você - em todos os vocês que significam em mim. eu olho no espelho e tento imaginar o que você me vê. olho você se olhando no espelho e penso ver através.
você não existe.
vejo você em todos os lugares.
você não me vê, e se não me vê
não me vê chorar.
(me vi na sacada)
penso como ria enquanto marcava com isqueiro uma cara feliz na rede azul.
toda vez que sento lá, penso em você. no vento frio tremelicando no sol da manhã azul-puído, vejo através da cara feliz o cinza da avenida - e sorrio.
mas você não existe.
não me vê sorrir.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

would you touch me?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Para quem precisa partir

Acordei no meio da noite com o bater da janela escancarada. Estava de tal forma aninhado contra a parede que o cobertor amontoou-se sobre meu peito; levantei da cama sufocado e suado. Lá fora relampejava, e podia ouvir ao longe o silvar da tempestade que se aproximava. Eram 4:33 da madrugada. Na cama do canto, meu colega de quarto dormia tranqüilamente.
Estava apanhando a camiseta para ir até o banheiro quando ouvi passos no corredor. Receei sair imediatamente; esperei até que só pudesse ouvir o barulho dos carros-zumbis da madrugada na avenida cheia de luz que clareava o lixo e as feridas e as coisas que se escondem sob o azul poluído do dia. Sempre tive medo das criaturas da noite e ainda tenho, mesmo com todos esses 26 anos que acumulei. Abri devagar a porta do quarto - uma tentativa inútil de abafar o som da dobradiça enferrujada. O ranger da porta fez com que meu colega rolasse na cama e balbuciasse
- Preciso ir.
- Como? - perguntei
e não obtive resposta. As luzes do corredor estavam todas apagadas, o ar gelado e impessoal como o de um hospital, só que escuro; hospitais são doentiamente brancos, bem sei, mas ali naquela casa os corredores pareciam sempre úmidos e escuros - mesmo com as lâmpadas fluorescentes. Eu caminhava cautelosamente, tateando a passos cegos pelo escuro. Mesmo frio, mesmo sem camiseta, eu continuava suando;
lambi o suor que escorria pelo meu pulso: era ácido. Nesse momento alguém passou rapidamente por mim, silencioso como um gato. Não consegui reconhecer o vulto que se afastava na escuridão; parou a alguns metros e voltou-se em minha direção: era uma garota.
Continuei caminhando, e ela seguiu em frente; adiante, parou para verificar se eu ainda a estava acompanhando.
Aproximei-me dela, parada em frente aos elevadores do hall, e distingui em seu rosto pálido o brilho de dois olhos negros. Por poucos instantes a encarei; ela sustentou meu olhar até o fundo, impassível, para depois desviar e começar a descer os degraus da escada.
Não a conhecia, e portanto resolvi não segui-la. Fui até a sacada, e constatei surpreso que o maço de Marlboro e o isqueiro estavam no bolso da calça de moletom. Sentei numa das cadeiras e acendi um cigarro. Traguei a fumaça artificial e nauseante e traguei de novo e de novo para que a nicotina começasse a me amolecer. Não sinto um prazer genuíno, de carne e vício, no cigarro - mas fumo há alguns anos. desconfio que afeiçoei-me ao isolamento da fumaça dançante e à sinfonia solitária do cigarro, ao tempo virando fumaça; desconfio que gostei disso e fui continuando.
Fixei o olhar num ponto além do véu azul que cobria a sacada e empesteava minha visão, na lâmpada acesa do outro lado da rua; logo, via refletido na tela azul o brilho dos olhos que há pouco me haviam fitado à beira das escadas. O vento gelado já havia secado o suor do meu corpo. Senti o coração acelerado, e a lembrança da garota e de seu olhar mudo me inquietava. Olhei em direção à escadaria, esperando sem muita esperança que ela pudesse ter estado ali o tempo todo a me observar, ou que estivesse voltando para dizer alguma coisa na cumplicidade do silêncio escuro da madrugada.
Pus-me a traçar mentalmente o trajeto de volta ao quarto,
tentando imaginar o caminho que ela poderia ter feito,
querendo entender de onde teria surgido. Vi-me abrindo a porta, depois deitado sob o cobertor suado, revirando-me em sonhos de terras longe demais, e a vi ao meu lado, parada, os olhos negros e profundos como o universo. E diante de mim ressurgiu o sonho, que agora parecia-me familiar como se eu o tivesse sonhado desde sempre e o pudesse tocar e dançar - sempre com ela ao meu lado. Vi-a sentada ao meu lado num banco de pedra, apontando para uma árvore solitária em meio ao capinzal da planície; o vento fazia com que os capins dançassem e formassem ondas de
verde em fúria aplacada pelo
azul do céu. Sem falar nada, levantou e saiu correndo em direção à árvore. Rodopiou e saltitou em meio ao verde-infinito, e lá do meio gritou
- Veja como o azul e o verde se fundem após a árvore: você é meu azul.
Corri até a árvore para encontrá-la sentada sobre uma raiz gigantesca. Olhava para além de mim; em silêncio, apontou: o lugar onde estivemos sucumbia às labaredas do fogo devorador de capim. Senti o calor do fogo e meu corpo todo se aqueceu. quando olhei para ela, os olhos negros eram cheios de compreensão velada, e eu a quis e soube que ela também me queria. Ergueu-se e veio até mim, a boca entreaberta cheia
das coisas que tinha imaginado durante toda a existência e calado,
das coisas que sentia no fundo da alma,
a boca vermelha e os olhos negros. Empurrou-me para o chão e subiu no meu colo,
a boca vermelha e quente junto à minha,
sendo a minha,
sendo eu mesmo como nunca havia sido até então,
estando ali por inteiro sob o peso do universo infinito daqueles olhos que se fechavam, cúmplices meus.
Afastou-se de mim e disse
- Preciso partir.
Ouvi uma sinfonia vinda de longe; olhei em seus olhos e vi a luz do sol a brilhar. Ela apontou para o lugar de onde viemos, e outra vez disse
- Preciso partir.
As chamas estavam próximas demais e me faziam suar.
Abri os olhos e estava na sacada, o vento frio arrepiando minha pele e espalhando em gotículas a chuva fraca que antecede as tempestades. O barulho de vassoura dos garis na avenida vazia me fez voltar à realidade, mas a lembrança do sonho me fez estremecer. Já não sabia se tinha sonhado tudo e chegara até a sacada sonambulando, trêmulo em febre de inverno, ou se havia mesmo encarado tais olhos negros.
Olhei para o corredor vazio e escuro: tive medo de voltar para o quarto. e também não queria o branco opressor das lâmpadas. Caminhei lentamente até a escadaria e desci um lance.

Ela estava parada na sacada do 4º andar, contemplando as árvores da rua. Aproximei-me, cada passo medido cautelosamente, o suor brotando nas têmporas. Parei ao seu lado e toquei-lhe o ombro. Ela se esquivou, mas virou o rosto para olhar em meus olhos. e naqueles olhos negros vi que partilhávamos o mesmo mundo de medos e dores e cores. e quis lhe falar sobre as coisas todas, mas nenhuma palavra foi capaz de alcançar a imensidão disso tudo.
- Preciso partir. - ela disse.
Peguei sua mão: estava gelada e macia, e apertou forte de volta.
- Partir para onde? Qual é seu nome? - perguntei.
- Luiem é meu nome. Preciso partir. Há um peso que me persegue; algo que já foi, mas ainda atormenta e desfaz cada sorriso meu. Estive sonhando com você por muito tempo, e gostaria de poder ficar em cada sonho que estive, mas preciso partir.
Desvencilhou-se de minhas mãos e correu para desaparecer nas sombras da escadaria. Desci o mais rápido que pude até o 3º andar, procurei na sacada e no corredor - em vão. Fui até o outro andar e também não a encontrei, e por fim cheguei à portaria. Da salinha envidraçada o segurança me lançou um olhar interrogativo, e dei-me conta de que assim como estava, a cara amassada e a calça de moletom sem camisa àquela hora da madrugada, deveria estar parecendo um maníaco.

Não sei ao certo quanto tempo se passou desde então. Por vezes, é como se eu morasse nesta casa desde sempre, e desde sempre com Luiem ao meu lado, sentada no sofá do hall, apoiada no balcão da sacada, deitada em minha cama; por vezes, é como se nunca tivesse pertencido verdadeiramente a este lugar e jamais tivesse visto através de seus olhos.
Sonho todas as noites com ela, mas não tenho coragem para sair do quarto durante a madrugada. Por temer as criaturas e o escuro? não. por medo de que ela não exista. Às vezes eu a sinto, como se ela estivesse no quarto ao lado, como se pudesse ouvir sua voz sussurrando no vento antes do temporal. como se pudesse me entender.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Something (ou a quinta dos porquês)

Poucas coisas consolam como palavras quentes no escuro quando você sente falta e não sabe por que. É a estranheza de ouvir tanto riso de nervosismo, de vinho, de esperança - ouvi-lo e sentir que não tem por que. Outsider; presente de corpo, estando ali sem ter por quem.
por quem chegou um dia na minha porta cantando
We'll make a film about a man that's sad and lonely
And all I gotta do is act naturally
.
por quem perguntou sobre o sol que carrego junto ao peito.
por quem me viu.
por quem eu teria um porquê.

Sinto falta e nem sei por que.

Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me
I don't want to leave her now
You know I believe and how

Somewhere in her smile she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
Don't want to leave her now
You know I believe and how

You're asking me will my love grow
I don't know, I don't know
You stick around now it may show
I don't know, I don't know

Something in the way she knows
And all I have to do is think of her
Something in the things she shows me
I don't want to leave her now
You know I believe and how *


(*)
Something - The Beatles

domingo, 18 de julho de 2010

Deise

ela é comigo quando não há mais ninguém
ela é com ela mesma quando o som flui pelo ar
é cada acorde
é Led e o calor do amor novo

ela é a leveza de quem carregou todo o peso
ela é a brisa que sopra na sacada enluarada
é cada estrela
é Joyce sendo descoberto

é flor
é força
é doce em noite de luz e barro
é o que faz lembrar que ainda vale a pena

terça-feira, 13 de julho de 2010

sobre as coisas que não existem

eu já as tenho - são as coisas que sonhei
feitas de algodão e vento gelado.


as pessoas mais bonitas não estão na foto
nem no corredor.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

HELOOOOO NEWMAN!

http://bunkstrutts.files.wordpress.com/2009/10/dancingraccoon_your-daily-gif-blog-090928.gif?w=400&h=367
hoje é sexta e o semestre terminou.
HELOOOOO NEWMAN!

domingo, 27 de junho de 2010

429. *

Em todos os lugares da vida, em todas as situações e convivências, eu fui sempre, para todos, um intruso. Pelo menos, fui sempre um estranho. No meio de parentes, como no de conhecidos, fui sempre sentido como alguém de fora. Não digo que o fui, uma só vez sequer, de caso pensado. Mas fui-o sempre por uma atitude espontânea da média dos temperamentos alheios.
Fui sempre, em toda a parte e por todos, tratado com simpatia. A pouquíssimos, creio, terá tão pouca gente erguido a voz, ou franzido a testa, ou falado alto ou de terça. Mas a simpatia, com que sempre me trataram, foi sempre isenta de afeição. Para os mais naturalmente íntimos fui sempre um hóspede, que, por hóspede, é bem tratado, mas sempre com a atenção devida ao estranho, e a falta de afeição merecida pelo intruso.
Não duvido que tudo isto, da atitude dos outros, derive principalmente de qualquer obscura causa intrínseca ao meu próprio temperamento. Sou porventura de uma frieza comunicativa, que involuntariamente obriga os outros a reflectirem o meu modo de pouco sentir.
Travo, por índole, rapidamente conhecimentos. Tardam-me pouco as simpatias dos outros. Mas as afeições nunca chegam. Dedicações nunca as conheci. Amarem, foi coisa que sempre me pareceu impossível, como um estranho tratar-me por tu.
Não sei se sofra com isto, se o aceite como um destino indiferente, em que não há nem que sofrer nem que aceitar.
Desejei sempre agradar. Doeu-me sempre que me fossem indiferentes. Ó rfão da Fortuna, tenho, como todos os órfãos, a necessidade de ser o objecto da afeição de alguém. Passei sempre fome da realização dessa necessidade. Tanto me adaptei a essa fome inevitável que, por vezes, nem sei se sinto a necessidade de comer.
Com isto ou sem isto a vida dói-me.

Os outros têm quem se lhes dedique. Eu nunca tive quem sequer pensasse em se me dedicar. Servem os outros: a mim tratam-me bem.
Reconheço em mim a capacidade de provocar respeito, mas não afeição. Infelizmente não tenho feito nada com que justifique a si próprio esse respeito começado quem o sinta; de modo que nunca chegam a respeitar-me deveras.
Julgo às vezes que gozo sofrer. Mas na verdade eu preferiria outra coisa. Não tenho qualidades de Chefe, nem de sequaz. Nem sequer as tenho de satisfeito, que são as que valem quando essas outras faltem.
Outros, menos inteligentes que eu, são mais fortes.
Talham melhor a sua vida entre gente; administram mais habilmente a sua inteligência. Tenho todas as qualidades para influir, menos a arte de o fazer, ou a vontade, mesmo, de o desejar.
Se um dia amasse, não seria amado.
Basta eu querer uma coisa para ela morrer. O meu destino, porém, não tem a força de ser mortal para qualquer coisa. Tem a fraqueza de ser mortal nas coisas para mim.



(*) Livro do Desassossego - Fernando Pessoa

quinta-feira, 17 de junho de 2010

meus sonhos já tiveram dessas coisas

pode ser que elas existam.

domingo, 30 de maio de 2010

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ffffound!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

sol e solidão

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Num quarto azul

Deitei na cama de cima do beliche e comecei a pensar sobre aquele quarto que então era meu. O armário embutido que ocupava uma parede toda, os buracos e farelos de cupim, o “Tânia, a primeira! 1980” rabiscado à caneta na parte interna da porta. Tânia deve ter desfrutado desse armário menosvelho com cheiro de madeira gostosa há exatos 30 anos, quando as roupas ainda ficavam limpas e seguras ali dentro e as prateleiras ainda existiam – não apenas seus furos -, indícios de um passado menos miserável. Se Tânia ainda vive, já deve ter passado dos 50; talvez tenha pego por hábito rabiscar cada armário novo que encontrou ao longo dos anos ou talvez já seja avó. Eu, com 23, sinto que pesaria demais rabiscar meu nome ali ao lado de Tânia, para daqui a 30 anos (pois daqui a 30 anos esse armário certamente continuará por aqui) alguém refletir e supor alguma coisa sobre minha existência, alguma coisa talvez mais digna do que terá sido minha real existência.

Li Tânia rabiscado ali e lembrei de outro lugar, outra noite, quando conheci um prédio com esse nome. Ri quando me falaram sobre esse tal prédio chamado Tânia pela primeira vez, mas quando vi a porta do armário pensei: destino? ou talvez seja só essa necessidade que às vezes parece um tanto estúpida, essa coisa de querer achar um significado em tudo. ou Tânia talvez tenha se formado aqui e foi para Lajeado construir um prédio, quando profetizou: em 2010, isso tudo fará sentido.

Mas a noite em que deitei no beliche e comecei a pensar sobre aquele outro já passou faz tempo. muitas coisas poucos dias se passaram desde o último final de semana sóbrio – breve pausa antes de tudo que estava por vir. o porvir, leve véu azul que cobre minha janela e deixa transparecer nossos anseios, de todos nós e desses anos que nos separam de algo que talvez não seja nada.
- nada não é nada - ela disse. mas pra eles era tudo, aqueles anos e o véu que brilhava com as gotas depois da chuva no sol.
Depois da noite em que deitei no beliche as coisas mudaram todas; e eles disseram:
- tudo que temos são todos esses caminhos que estão à nossa frente, mas estamos aqui parados porque isso é tudo.
Peguei minha cesta de vime e saí pelo caminho, e tudo de gostoso que há na cesta é dividido com todos que trazem tudo que têm e assim todos temos tudo e tudo é nosso.

Talvez naquela noite azul eu tenha decidido não esconder minha lunaticidade de mais ninguém, o que atraiu todos os lunáticos carentes das bandas da capital – se é que não fui eu atraída para junto deles, nova integrante do clube dos que ouvem Beatles e Dylan enquanto estudam.
Como se as coisas fizessem sentido, como se ouvisse a voz de Devin dizendo i saw god, como se eu mesma tivesse visto deus numa noite da boa, como se deus tivesse me dito
- ela não sabe o que há por vir, cubram-na com o véu!
coberta com o véu bati na porta do quarto em frente e me disseram
- pode ficar; aqui pagarás o preço por tudo que de bom existe aqui.
e eu disse
- como foi escrito
e bebi de tudo que eles tinham para oferecer, e conversei naquela noite por duzentos anos com cada um que encontrei, e lhes falei
- cada um com seu mundo, dividimos todos o mesmo universo.
nos encontraremos
quando perdermos
todo o resto.
falamos sobre como deveria ser fácil se perder desse jeito, mas você sabe que é encontrado quando começa as frases com maiúsculas.
- minhas palavras são pra todos vocês.
alguém perguntou
- vocês quem?
- vocês todos, cada você que possa existir, um você diferente quando quiser, e todos vocês quando enjoar de você.
Foi quando você saiu e disse que eu era confusa demais, disse que precisava ir e esses poucos dias que passaram desde então parece já tanto mais tempo, vocês todos parecem tão diferentes e eu sou tão vocês e tão pequena quando venta na sacada, tão leve quando é segunda de chuva que penso se não poderia sair voando se me atirasse do quinto andar
- mas o quinto andar é o melhor de todos!
você disse e eu
- sei, é por isso que não me atiro.

Copiei do quadro as questões como se fosse mesmo respondê-las, fiquei com vergonha que você pensasse que não me importo. A primeira copiei igual, e na metade da segunda comecei a falar sobre como chovia e como era cinza a segunda e que coincidência que era falar sobre a segunda justamente na segunda questão. então era eu parada no meio daquela rua calçada de cinza, por onde nem os carros nem você passavam. e era eu como se estivesse na rua; era eu no ônibus e fora era cinza e verde e chovia quando você disse
- oi, pequena
e daí era eu 4 anos dizendo
- feliz dia das mães, é chuva é chuva
e você vindo por cima da ponte com a cabeça cheia de luz do sol, logo atrás todachuva do mundo e os trovões
- somos você, somos todos os vocês que te encontrarão.
é você agora e eu daqui a 20 anos, sentada no ônibus com a chuva lá fora e pensando o que terá acontecido com aquele quadro que tinha um anjo e duas crianças sobre uma ponte, é você dizendo:
sou você há 10 anos: brilhará como brilhei e sofrerá.
é você há 10 anos, sentada no ônibus grata por ser quente e seco ali, tão parecido com metrô europeu só que mais amarelo, ali você pensou: ama: e percebeu que toda a chuva era ali fora como você nunca seria, fluindo do pó à lama e terminando cada madrugada numa outra cama.
- não consigo dormir
você disse, mas o que ouvi foi você querendo um chocolate alpino e falando sobre um almoço feliz numa cidade cheia de zumbis, então eu queria que você parasse de misturar doces com essas coisas, te puxei pra cima de mim e você disse
- quero dormir
fiz um pensamento circular e coloquei-o sobre sua cabeça como uma coroa, um halo de luz do sol, a chuva batia contra a janela e o dia já não era cinza: era noite
me puxou sobre você quando o escuro era bom
- é todo esse vazio que está entre minhas pernas: preencha-o
e estive dentro de você até que não me quisesse mais, até raiar outro dia onde você continua parado no meio da rua, onde estive há vinte anos e quis me perder.
- fujo quando cai a noite porque a chuva me faz fluir.

crescemos com a imaginação longe daqui, lá onde se pode ouvir os teclados espaciais de uma saga em terras longe demais de se alcançar.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Gia

Yeah, I go see, I go see.
Nobody sees me.

"Ah, piece of meat, come here.
Show me your bag."

And they stick their finger in you.

"I just wanna taste your temperature."

Go see, go see, go see,
go see somebody else.

I ain't no good at this.
I ain't no good at this at all.

But even if you are good at it,
what, exactly, are you good at?



(trecho do diário de Gia Carangi)

terça-feira, 4 de maio de 2010

the unforgettable fire

walk on by
walk on through
so sad to beseige your love so head on
stay in this time
stay tonight in a lie
i'm only asking but i
i think you know
come on take me away
come on take me away
come on take me home
home again

(U2)

sábado, 1 de maio de 2010

nada

essas coisas não são tão óbvias quanto podem parecer após uma garrafa de vinho numa sexta à noite para curar um orgulho ferido.
eu não tenho orgulho
nem o que ferir:
não bebo.
vem você com o coração engolido pela razão comprada num sebo
- custou bem barato
e acredito mesmo: você esteve atrás de uma razão qualquer,
agarrou-a e seguiu
sem sentido
sem sentir
e todos os caminhos do mundo
te levam
para o meio
do nada.
você conhece todas as palavras mais difíceis para falar sobre o nada
e quando surge algo para ser dito
- elas me fogem todas
é o que diz.
nothing
rien
nada
niente
nichts
me diz ao ouvido, como se eu estivesse competindo para saber mais sobre o nada que você
- mas ei
digo
- não sei palavras bonitas, e algumas pessoas simplesmente não merecem
nenhuma.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Kareena Zerefos





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terça-feira, 27 de abril de 2010

would?

todo mundo tem que ir tem que ir tem que ir
pra onde todo mundo vai?
todo mundo sempre vai
meu quarto cheio - tanta gente vem, tanta gente sorri, tanta gente quer estar aqui
mas todo mundo sempre vai.
quando o coração pesa
estou sempre sozinha no meio de todos.
todos estão, mas ninguém com quem eu queira estar.

sábado, 17 de abril de 2010

toda portoalegre

















sábado, 10 de abril de 2010

party people

A João Alfredo lotada depois da meia-noite, cada garota passando com um perfume diferente e enjoado que nem cabelo liso. e eu sozinha, com meus fones e aquela cara de quem saiu de casa às oito da manhã e passou o dia na rua - que é a cara daqueles que gostam de andar sozinhos pela noite.
gosto de andar sozinha por aí e pensar em você.
O violator a todo volume, cheio de promessas que algum dia talvez já tenham sido cumpridas por alguém
I'll take you to the highest mountain
To the depths of the deepest sea
And we won't need a map
Believe me
Now let my body do the moving
And let my hands do the soothing
Let me show you the world in my eyes

Você acredita? eu, sim.
Todas as garotas com calças tão iguais, todas tão bonitas e tão dispostas a passar uma noite como toda uma vida igual. Passei por entre todos como uma sombra, na estranha alegria de andar sozinha por entre as luzes coloridas, a vontade de estar aí longe crescendo a cada esquina. Acendi um cigarro e lembrei do cáqui que Alice me deu no começo da tarde quando disse: "eu mesma colhi". mas em poucos segundos meus pensamentos, todos eles, voltaram pra você e assim continuaram até eu chegar em casa e até agora.

domingo, 21 de março de 2010

smoke






















Smoke - Eveline Tarunadjadja

estou aqui, estou sozinha

Olhei minha cara no espelho: não lembro quando foi a última vez que tive olheiras tão fundas. penso se são por dormir no sofá, por não lembrar de sonho algum ou por não ter sono. ou talvez pudesse ser o coração partido ou o calor, ou talvez fossem todos juntos mais a fome. E comecei a pensar um pouco sobre a época atual: como pode doer tanto e ao mesmo tempo tamanha leveza? talvez tenha feito tudo que pude, mas às vezes tudo não é muita coisa, e é então que você passa a fazer nada e vai pra longe e fica um tempo embaixo da cama esperando que o dia melhore. Chego a pensar que Queen me fez persistir e continuar fazendo o melhor possível. nunca imaginei que fosse baixar aleatoriamente um álbum do Queen e ouvir sem parar, e também nunca pensei que fosse num show do Megadeth e que eles tocariam todo o RIP. Pensei que iria contigo, mas agora torço pra não te encontrar por lá porque sei que você também não vai perder isso por nada. Pensei em fazer outra tatuagem e te convidar pra ir junto, pensei em perguntar se você também não achava genial Smooth Criminal vir logo depois de Dirty Diana, pensei em te ligar.

sábado, 20 de março de 2010

Violetas

















Em 1963, o monge budista Thich Quang Duc ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra a perseguição religiosa no Vietnã do Sul. O fotógrafo Malcolm Browne registrou o silencioso protesto do monge nas ruas de Saigon. morreu imóvel, sem emitir um suspiro sequer.

É a imagem da fé suprema em algo que transcende a lógica, e pra mim também ilustra a frase de Mark Twain: "Perdão é o perfume da violeta sob o calcanhar por qual foi esmagada". Eu acredito em karma, ele existe e vejo-o claramente: vejo a dor que algúem causa, vejo a dor que recebe logo ali adiante. Nunca devemos dizer (ou mesmo pensar): por que você fez isso comigo? Ninguém pode fazer algo conosco sem que consintamos com isso em algum nível.

Aprendemos a culpar os outros - às vezes até encontramos alguém que assume a culpa que é nossa, em silêncio, e daí nossa razão está satisfeita. Aprendi que não faz diferença discutir de quem é a culpa ou jogar nossa razão na cara de alguém, porque cada um sabe a verdade em seu coração (ainda que inconscientemente). E é por essa verdade que pagamos, não pelas coisas que inventamos pra justificar e dar sentido racional a todo o resto; a dor que você causa agora é a dor que caminha ao seu encontro e que te tocará onde mais machuca: é a solidão, é o carro roubado, é o corpo ferido.

Não vou desistir desse caminho, não vou deixar de sonhar. Estou caindo aos pedaços, mas vejo ali fora alguns raios de sol e resta em meu coração, lá no fundo, esperança - e é isso que me faz sorrir depois de chorar. Viver sem esperar nada é viver sem esperança, na frieza da apatia; não desisti: ainda resta calor aqui dentro.

segunda-feira, 15 de março de 2010

how can people be so heartless?

sexta-feira, 5 de março de 2010

Queen e outras duas coisas que não tem nada a ver com nada































ffffound!


***

Seria eu cool o suficiente pra ter um nome fancy como Vitória Luiza?


***

Insanity laughs under pressure we're cracking
Can't we give ourselves one more chance
Why can't we give love that one more chance
Why can't we give love give love give love give love
give love give love give love give love give love
'Cause love's such an old fashioned word
And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And love dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure
Pressure*



(*) Under Pressure - Queen

quinta-feira, 4 de março de 2010

ameixas, Inglaterra e Joana d'Arc

ela perguntou se eu aceitava um chá, e respondi que sim se fosse daquele bem vermelho, e foi pra cozinha e começou a me contar sobre os terremotos no Chile, porque era uma coisa muito triste tudo que estava acontecendo, 2012 chegando, vai ser que nem naquele filme aquele que tem aquele cara lá que eu não gosto, primeiro foi no Haiti e logo logo vai ser aqui ou até mesmo nas Malvinas, e falou que parece que a disputa entre Inglaterra e Argentina tá reesquentando porque nas Malvinas é só pedra que tem lá mas embaixo tem muito petróleo, daí perguntou o que eu achava, porque ela acha que os ingleses vão redominar o mundo em 2012, "tu vê só, eles começaram com a música e vão conquistar TUDO, e tu viu só como eles são cool? tu vai ver só quando chegar 2012". ela vivia falando em 2012, assistiu um milhão de programas sobre isso tomando chá e se impressionou, tadinha - confesso que também penso um pouquinho nisso, mas ela acha que é muito possível que a humanidade acabe com um meteoro ou com a expansão do sol para o fim ou com uma invasão alieníngina ou com o redomínio inglês, e ficava brava quando eu dizia que isso seria ótimo porque começaria o reinado das baratas sobre a Terra e que elas seriam tão evoluídas quanto nós somos em relação aos dinossauros. ela me estendeu uma xícara de chá e disse pra tomar cuidado porque estava muito quente e que se tomasse agora queimaria o céu da boca, falou que era um chá pra desinchar o corpo e que fazia mais efeito quando se tomava morno; eu disse que ela parecia mais inchada que o normal, assim inchada de grávida, e ela ficou meio brava - eu percebi, e daí ela disse que aquilo era inchaço de tpm e começou a falar sobre ameixas
"que ameixas?"
"é que hoje de tarde eu achei que tinha ameixa na geladeira, mas fui ver e só tinha maçã - e ai, tô táo enjoada de maçã!"
"sei como é"
mas olha que eu não sabia, porque nunca tive um desejo alucinante de comer ameixa, e se parar pra pensar posso dizer que nunca tive por nada um desejo alucinante: ameixa, cerveja, sexo, conhecimento, safáris. ouvi ela perguntar
"tu acha que isso pode acontecer?"
"desculpa, querida, acontecer o que mesmo?
"isso que eu te disse que vi no sonho, de o magma do centro subir todo e incendiar o planeta? será que é um sonho profético? e se fosse - imagina só: quando as fendas surgissem nas Malvinas eu saberia o que viria em seguida. e se eu fosse falar com um vidente? será que ele saberia dizer se é verdade isso?"
era outra coisa que ela fazia com frequência. acho que devia ter inconscientemente o desejo alucinante de ser uma espécie de Joana d'Arc. uma vez eu disse que ela deveria tentar abrir uma igreja, que tem tantas por aí que nem deve ser difícil conseguir uma licença - será que existe licença pra abrir igreja? mas bom, se ela abrisse uma igreja e conseguisse reunir uns malucos que acreditassem nesses sonhos ela poderia começar a se sentir um pouco Joana. ela ficou um pouco incomodada com esse comentário (fiquei até com a impressão de que minhas visitas devem irritá-la e muito), então expliquei que isso poderia acontecer, era só esperar os malucos chegarem até ela, porque as pessoas têm essa necessidade de pertencer a um alguém um deus uma empresa, e daí elas se juntam a qualquer coisa dessas que dê sentido a algo que elas queiram pertencer. ela pensou um pouco e achou a idéia interessante, só que nunca faria algo assim porque seria um embuste
"o que é um embuste?"
"é uma coisa assim falsa"
"ahh... uma espécie de mentira, então?"
"mas uma baita mentira, uma bem ardilosa"
"tipo o grande golpe da lipo?"
"é, isso é um baita embuste"
seria um embuste exigir dinheiro pela fé das pessoas, que cada um deveria ter seu próprio altar em casa e honrar aos deuses que bem quisesse, isso sim, porque se todos os deuses que existem estivessem se sentindo importantes nada disso estaria acontecendo pelo mundo, que era a grande vingança não apenas do planeta mas de todo o universo e que
"vou ali na fruteira comprar cigarro"
"traz ameixa pra mim? daquelas vermelhas"
"se tiver dessas eu trago"
fui e voltei com um maço de Marlboro e umas três ameixas, e ela já havia terminado o chá e servido uma bandeja com bolo de maçã
"tu não tinha enjoado de maçã?"
"de maçã crua. assim cozido fica diferente, tipo banana"
"eu não acho que maçã cozida se pareça com banana"
"nããão, eu quis dizer que maçã cozida tem gosto diferente, assim como a banana cozida também fica melhor do que banana pura"
"ah"
às vezes eu pensava que esses chás que ela tomava faziam um pouco mal, que ela não andava muito certa das idéias. ela pegou uma ameixa e acendeu um cigarro.
"essa é a única do saco que presta, tu não sabe escolher ameixa"
"não tinha nenhuma que prestasse lá na fruteira"
"então não devia ter trazido!"
"mas tu disse que queria ameixa!"
"sim, mas quando elas não tão boas a gente não traz"
"tu tá comendo isso e fumando, nem tá sentindo gosto de nada"
"mas sinto a consistência"
ela ligou a tv e disse que tinha dado pau no gato da tv a cabo, que muito provavelmente o que teria de melhor pra olhar a uma hora dessas seria Boa Tarde com Marlei Soares e começou a pular de canal pra canal; parou num que mostrava uma animação com lava vulcânica e o repórter falando por telefone
...e o governo inglês já providenciou o envio de tropas para averiguar a situação; enquanto isso, boa parte da população das ilhas foi acolhida em território argentino e o restante está a caminho. Aqui em Buenos Aires o clima é de alerta, mas ninguém sabe ao certo o que está acontecendo nas Malvinas, conhecidas pelos ingleses como ilhas Falkland. Sabe-se apenas que uma enorme cratera irrompeu em uma das ilhas e foram sentidos vários tremores sísmicos no dia de ontem. De acordo com o geólogo uruguaio..."

waiting for a fall



ffffound!

quarta-feira, 3 de março de 2010


Le Love

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

manhã de céu azul

lembra quando você me disse que queria ser pintora? pois olhe agora pra você, atirada aí no sofá assistindo esses mesmos clipes, veja só, já está querendo chorar outra vez, não, não fica assim, só falei desse jeito porque você deveria estar fazendo alguma outra coisa, olhe: o céu lá fora tão bonito, todo azul, e você nesse sofá com esse casaco de moletom em pleno verão. você tinha dito que se tivesse um tempo sobrando começaria a pintar e passaria o dia pintando porque isso a deixava feliz, mas olha, eu não sou muito bom com essas coisas que a gente precisa falar de vez em quando, não me leve a mal, mas é que não consigo ver você desse jeito. ó, desliga isso e vamos dar uma volta, é só arrumar o cabelo e colocar o óculos preto que ninguém vai perceber, além do mais os gatos estão sem nada pra comer, vem comigo, eu te levo até o banheiro, espera que eu te ajudo querida, não, assim não, minha nossa, não são nem dez e meia da manhã e você já está caindo de tão bêbada, vi que você chegou depois das quatro ontem e já acordou às sete, comeu alguma coisa? eu sabia, levantou e já foi encher a cara e assistir esses mesmos vídeos, vem cá, você sabe que ele não volta, não adianta ficar assim. olha, não sou bom nessas coisas, mas às vezes penso que você nem tenta, nem parece mais você, meu amor, você não era assim, nunca vi alguém tão quieta como você tem andado nesses últimos tempos, e sei que você não era assim, me dizia sempre que tinha motivo pra sorrir todos os dias, e agora me parte o coração ver você assim. vem junto comigo, daí eu te faço algum coisa pra comer, não é bom passar o dia inteiro do jeito que você passa, sabe, não adianta nada ficar assim, já se passaram quatro anos e não adiantou nada, você sabe que ele não volta.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cretinices

- Cansei.
- De que? - ela perguntou sem desviar os olhos da tv.
- Ah, de tudo e de nada.
- Como assim? Cansou ou não, afinal?
- Esquece.
Não era o momento e ela não era a pessoa com quem eu poderia falar sobre uma coisa dessas. Aliás, também estava cansado dela, dessa vida cretina que ela andava levando. me irritava demais, mas ela não estava nem aí pra nada: as notícias do Haiti, o novo cd da Shakira, o que eu tinha pra falar, o cara da novela que se internou: tudo pra ela era a mesma coisa, ela e aquela cara de tédio. Lembro vagamente de quando a deixei entrar em minha vida, parecia perdida e inocente; assim que se acomodou sob meu teto, virou essa coisa em frente a tv, essa coisa que eu até suspeito às vezes: me despreza.
Um dia pensei em dizer tudo, que a achava uma baita cretina, exigir que me amasse e que olhasse pra mim enquanto eu estava falando - mas eu... eu mesmo não a amava e estava cansado
de ver o céu azul ali fora e não ter pra onde ir
de ter as palavras certas mas não ter o que dizer
de fumar esses cigarros malditos por não ter mais grass
de encher a cara e ir dormir sem nem ao menos dar uma trepada. Sei que tudo isso pode ter uma solução e que no fundo não é culpa dela. acontece que eu observo a vida com a mesma cara de tédio que ela observa as imagens passando na tv.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

IV


ffffound!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

lovesong

Te mandei um milhão de rosas por sedex e você nem abriu os envelopes pra ver o que tinha dentro. todas murcharam e morreram porque você nem quis saber: leu meu nome escrito à caneta no envelope e guardou no canto das coisas desinteressantes. Uma pilha de envelopes.
também te mandei um pouco de areia que peguei no Sudão e uma folha de caderno com
It's hard to believe that there's nobody out there
It's hard to believe that I'm all alone
Atleast I have her love, the city, she loves me
Lonely as I am, together we cry
*
escrito com minha letra tão tímida. Mandei uma folha dourada que encontrei no Canadá num dia gelado de outono
daquele cogumelo gigante que me cantou um lovesong, mandei uma foto com a minha cara naquele dia e mandei uma foto de cada pôr-do-sol que vi, um pedaço de tijolo da parede que quebrei com um soco, os trechos que mais gostei de cada livro que li datilografados pra você entender bem, uma fita cassete com as músicas que mais ouvi e a capa que desenhei,
garota, te mandei tudo que eu queria ter te dado e você não estava.
Você nem ligou.


(*) Under the Bridge - RHCP

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

sobre partir ou não

O telefone tocou e era a voz dela do outro lado
- Se quiser me ver, aparece lá naquele lugar da outra vez depois do meio-dia.
e desligou.
Estendi a mão até a carteira de cigarros e apanhei um. A voz de Grahan dizia
Something's changing, it's in your eyes
Please don't speak, you'll only lie

enquanto eu o acendia e estendia as pernas sobre a escrivaninha. Observei o céu azul-manhã, as nuvens e o imenso outdoor ali fora. Fazia muito tempo que eu sequer ouvia sua voz. ela tinha dessas coisas: às vezes sumia durante meses, daí voltava e durante um tempo eu a via todos os dias, ela me ligava e convidava para dar uma volta e comer doritos e sorvete, depois sentávamos na beira da calçada e fumávamos sem pressa. Então um dia ela simplesmente não aparecia mais... e passava um dia, dois, mês e eu já sabia que era assim mesmo. Eu só sentia muito medo de que ela não voltasse mais, mas já tinha me acostumado a essa inconstância - ainda assim, continuava acreditando que um dia ela ficaria e que então os dias seriam bons para sempre.
O cigarro estava terminando e eu já sentia vontade de acender outro. Tentei acender, mas o isqueiro parou de funcionar e não quis ir até o fogão. Pensei sobre as nuvens contra o céu flutuando tão brancas até lembrar que ela estava de volta e que a veria novamente. Tomei um banho e procurei a melhor roupa limpa que eu tinha, passei no mercado e comprei uma garrafa de vinho.
Cheguei pouco antes do meio-dia e procurei um banco à sombra - claro que ela ainda não estava lá. Desejei acender um cigarro, mas não vi ninguém fumando por perto. Mudei de posição umas 10 vezes até avistá-la ao longe. O cabelo estava mais comprido e pintado de verde, as roupas estranhíssimas e ultradark - mas eu reconheceria aquele jeito de andar em qualquer lugar. ela já estava bem perto quando percebi que eu estava prendendo a respiração há alguns segundos. Ela disse
- E aí, garoto?
e tirou os óculos escuros, sorriu e me abraçou bem forte. Senti aquele cheiro que só ela tinha
- Por onde tu andou?
- Pelo mundo, por aí, por muitos lugares. e tu?
- Fiquei por aqui mesmo, não fiz nada demais nem fui muito longe.
Quando ela viu a garrafa de vinho, quis logo abrir. Sentou ao meu lado e ofereceu um cigarro enquanto eu tentava tirar a rolha com uma caneta. quando consegui, ela pegou meu rosto entre as mãos e me beijou e eu esqueci do cigarro aceso e da garrafa aberta. Senti aquela pontada de sempre no peito mas ao mesmo tempo me senti tão bem... bem.
- Senti tua falta.
- Isso não é bom. tu sabe que eu... sou assim.
- Eu sei, mas senti tua falta.
- Também pensei bastante em ti.
Ela tinha aquele brilho nos olhos e me fazia sentir bem. não queria pensar que ela não estaria ali para sempre, que sem mais nem menos partiria. Disse-lhe que senti saudade, mas ela certamente não imaginava o quanto. Parecia tão bem e tinha um brilho tão lindo no olhar que eu não conseguia pensar em coisas tristes quando estava ao seu lado.
Certa vez lhe escrevi uma carta com muitas páginas onde eu disse tudo. Levei a carta quando fui vê-la, mas não entreguei. amassei e joguei fora na mesma noite.
- Aqui é o único lugar pra onde eu costumo voltar.
- Só não entendo por que tu some, sabe?
- Eu preciso. Não sei explicar bem, mas eu não posso ficar. Só queria que tu acreditasse que eu gosto muito de estar aqui, mas não posso ficar.
Quis perguntar se não ficaria por mim, mas claro que ela não precisava e estava bem assim. Peguei a mão dela e apertei forte.
- Existem muito mais motivos pras pessoas partirem do que pra ficarem, mas elas sempre acabam ficando. Não consigo ficar, eu não seria eu mesma se ficasse aqui.
e de alguma forma eu pude entendê-la nesse instante, mesmo sem nunca ter partido.

Caio

"(...) claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodka, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a ban-chá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o CVV às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas do tipo preciso-tanto-de-uma-razão-para-viver-e-sei-que-esta-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá, até o sol pintar atrás daqueles edifícios, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma?”



Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

À tout le monde

Don't remember where I was
I realized life was a game
The more seriously I took things
The harder the rules became
I had no idea what it'd cost
My life passed before my eyes
When I found out how little I accomplished
All my plans denied

So as you read this know my friends
I'd love to stay with you all
Please smile when you think about me
My body's gone that's all

À tout le monde
À tout mes amis
Je vous aime
Je dois partir
These are the last words
I'll ever speak
And they'll set me free

If my heart was still alive
I know it would surely break
And my memories left with you
There's nothing more to say

Moving on is a simple thing
What it leaves behind is hard
You know the sleeping feel no more pain
And the living are scarred




Apesar de tantos anos passados, eu ainda sei de cor essa letra - como todas as outras do Youthanasia. Daí eu tento entender e não consigo - será só eu que não entendo?: como podemos passar tanto tempo longe de coisas que nunca deixamos de amar. Por que as deixamos em algum lugar que já não é mais? Foi um dos álbuns que mais ouvi na vida, amei cada música ao máximo. talvez o deixei porque ele carrega muitas lembranças - e eu preciso esquecer.
Há tantas coisas não ditas... mas suas auras pairam à minha frente e eu as sinto. guardei naquele quarto escuro todas as coisas que nunca disse, e agora elas me atormentam durante a noite. sei onde deixei as chaves, mas tenho medo de entrar lá e te dizer tudo.
Um dia alguém me disse que ninguém é insubstituível. Fico pensando quando chegará o dia em que eu pensarei assim, se ainda restará um pouco de calor em meu coração. Estou ficando cada vez mais fria - não cruel, isso é quase impossível. mas fria. apagada. distante. Não sou eu assim durante todo o tempo: muitas gargalhadas ouço ao meu redor, muitas coisas bonitas eu vejo, muito me interessam as coisas que leio e a música. E numa manhã chuvosa de segunda, encontrei Muse e foi amor de cara.

If we live a life in fear
I'll wait a thousand years
Just to see you smile again

Kill your prayers for love and peace
You'll wake the thought police
We can't hide the truth inside

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

por enquanto

No jardim das ilusões temporárias eles brincam.
Enquanto brilham as luzes artificiais, todos parecem mais felizes. Acordaram velhos no pântano desgostoso: apagaram-se as luzes.

eu estou na porta.

stagnant

so ain't it funny how, after trying to find my way home
i'm in the middle now and i won't get lost again?



Devin

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Mythical benevolance via ice cream

Mythical benevolance via ice cream - Robert Williams

domingo, 24 de janeiro de 2010

verde-infinito

Eu queria fugir e deixar todos vocês sem nenhuma resposta. Todos não são tantos assim - mas queria deixá-los.
Se eu fosse para o nada e conversasse o dia inteiro com ninguém? tão utópico quanto o sonho da grande árvore no centro do mais belo campo - campo verde-infinito. Lá está você na linha do horizonte: o sol brilha.
Queria conseguir machucar como vocês machucam. Todos caem e se machucam e culpam quem está passando por perto, qualquer um.
- Eu vi que foi você! Como poderia eu ter caído sozinho?
- E esse fantasma aí do teu lado, por que não poderia ter sido ele?
- Oh oh esse fantasma? Nããão, é um bom fantasma - ele está me ajudando: veja minha cara como parece feliz, veja só!
O fantasma com as patas de aço sobre suas costas, a boca encardida grudada ao seu pescoço, as pernas entrelaçam-se às suas: está quase caindo de novo.
Eu vejo vocês, tudo que vocês não admitem e acham que está bem escondido sob esses sorrisos pré-fabricados. eu vejo seus fantasmas. Quisera eu empurrá-los ao menos, não apenas levar a culpa e esperar. Quisera eu machucá-los, dizer tudo que eu vejo dentro de vocês e que nunca admitiriam ouvir - o que está sob a máscara. Quisera eu ser cruel como todos são às vezes.
Eu não queria nada. só nada: não ver nada do que posso ver. que as máscaras e sorrisos parecessem a mim reais, que fossem belos e me fizessem acreditar.
Sei que tudo que está escondido está lá, sei que tudo um dia é revelado e tem seu preço. Mas às vezes o que eu mais queria era poder empurrá-los até o chão, para que sofressem tanto quanto me fizeram - que sofressem pelas minhas próprias mãos. sei que tudo volta, ainda que décadas depois. Mas eu queria derrubá-lo e não me importar ao invés de esperar até que você mesmo veja.

sábado, 23 de janeiro de 2010

para R.

Quis o destino que R. fosse meu amigo.
Também senti as garras do destino quando passei por aquela garota: em meio a tantas outras lindas, eu a senti. Ela foi até você não por acaso. Não pense nos motivos que ela teria para não gostar, não racionalize nem tente se justificar: ela vê através de você e sabe. ela o sente. sinta-a, tudo vai dar certo.
Por vezes eu te achei cético demais, racional demais. Você me viu chorar como nunca chorei e admitir o maior de todos os segredos (que escondia de mim mesma) no dia do meu aniversário, sob as sombras daquela parada de ônibus. Você me disse tudo que podia para me deixar melhor - mas esse sol que carrego junto ao peito é falso, é frio. O Vento sopra ali fora, está sempre a me acompanhar - mas é apenas vento frio quando não há sol.
Sei que escrevo coisas tristes, mas você não pode saber como me sinto.
um urso de pelúcia em meus braços
Fico feliz ao ver vocês juntos, tudo isso não foi por acaso. Não me diga que não: ouça o que vem do seu coração, é a única verdade. Me senti tão sozinha nesses últimos dias e você está a centenas de quilômetros - está onde precisa estar. eu preciso passar por tudo isso sozinha.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

sobre egoísmo

- Não acredito nem vou acreditar que tu deixou de ser egoísta. - ela me disse, e isso ficou em minha cabeça desde então - há sete dias.
Será que deixei mesmo de ser egoísta? Eu achava que sim, mas ela duvidava - por que duvidava? Será que sou egoísta e enganei a mim mesmo acreditando que havia deixado de ser? eram as perguntas que eu me fazia desde que ela havia dito.
E eu, que tinha certeza, não sabia mais responder. Era bonito dizer que havia deixado de ser e acreditar, mas ela era importante demais para que eu desconsiderasse sua opinião e não ficasse em dúvida. Será que ela me acharia egoísta se soubesse o quanto é importante? nunca disse isso. E me arrependo por não ter dito, por não ter dito isso e tudo que não admiti. Preciso dela, e preciso dizer tudo que nunca disse. disse tudo que não devia - isso sim eu disse - e nem sequer era verdade: a verdade é tudo que nunca disse. Procurei tudo que estava a meu alcance para machucá-la, e nunca ao menos pedi desculpas direito. Ela foi embora e agora eu preciso. Será que perdemos o egoísmo quando admitimos que precisamos de alguém? eu me sinto sozinho. E a culpava tanto, enquanto ela esteve sempre ao meu lado; mas eu achava que a culpa era dela por estar sempre ao meu lado.
Alone.
Pensei que ela não iria embora, que não conseguiria: esteve aqui por tanto tempo. Nunca tentei me colocar em seu lugar - quanta mágoa teria guardado? Sequer demonstrava. estava sempre tentando me alegrar, fazia o máximo. e fui eu que comecei todas as brigas. Se eu tivesse admitido, se tivesse desviado a atenção de mim mesmo, teria percebido que ela não merecia passar por tudo isso. Lembro do dia em que ela saiu por aquela porta e não voltou - sempre achei que voltaria na mesma semana, que ela precisava de mim. Sempre fui eu quem precisou. Quando percebi que ela não voltaria, preenchi minha vida com tudo que podia trocar por felicidade. Enjoei de todo o plástico que acumulei, fazia tudo e tudo era nada.
Esperei por muito tempo uma ligação dela pedindo para me ver. sentei em frente à porta por onde ela saiu e fiquei aguardando com a certeza entre as mãos. Perdi a conta de quantos anos se passaram até que me desse conta de que ela não voltaria. A via voltando, com o vestido azul-claro e os cabelos negros compridos e soltos. miragem; mas eu continuava alerta à espera - sempre esperei por ela, mas nunca fui capaz de descer do meu próprio ego.
Lembro que uma única vez vi toda a tristeza em seus olhos: quando ela disse que estava partindo. Pensei que estava triste por estar indo para longe de mim, mas hoje sei que seus olhos sempre foram tristes - ela sorria como se estivesse feliz. E eu nunca perguntei como se sentia. Ela sempre deixou claro o quanto precisava de mim, devo tê-la feito sofrer muito para que resolvesse ir embora e não voltar.
Mandei-lhe uma carta datilografada e cheia de formalidades, perguntando por notícias. na semana seguinte ela apareceu em minha porta. Tomou um chá comigo e contou que era dona de uma banca de revistas e três poodles. Seus olhos eram opacos, seus gestos frios e delicados. Cordial e distante. Os cabelos curtos e mais claros. Disse-lhe que havia feito muitas coisas durante todo aquele tempo, que tinha todas as variedades de plástico disponíveis e que sabia que um dia já havia sido egoísta mas não era mais.
- Não acredito nem vou acreditar que tu deixou de ser egoísta.
Achei um absurdo ela falar comigo daquele jeito, ela não sabia - esteve longe durante tanto tempo. Fiz questão de demonstrar o quanto ficara ofendido, e ela se despediu com olhos frios e cordiais.
Eu poderia ter dito o que precisava ser. eu a havia matado por dentro quando poderia tê-la salvo.
Acreditei que ela voltaria, e agora me sinto mais só. Choro tudo que não chorei, sozinho sobre o mármore acinzentado;
ela se foi.