segunda-feira, 29 de novembro de 2010

#2

Pouca importância deu às palavras da feiticeira a senhora cristã. Julgava estar corrigindo o mal que Satã havia lhe feito por intermédio de uma pobre alma-objeto. Encomendou o serviço à feiticeira e, feito isso, sentiu sua consciência leve e lavada como sempre se deve estar. Poucos dias depois, sua filha Márcia conheceu um jovem estudante de administração e seus olhos voltaram a brilhar.
- Mamãe, precisa ver só como ele é eloquente! Pode ficar falando horas e horas sobre qualquer coisa, ele é fantástico!
Sua filha Márcia estava feliz. Justiça feita, a senhora cristã voltou à sua vida de bondades e esqueceu o incidente ocorrido com seu ex-futuro-genro e aquela outra moça grávida.

Paola tinha pouco mais de dois anos quando seus pais morreram num acidente de carro. Não tinha parentes próximos; foi adotada pelo único familiar que sabia sobre sua existência: a tia-avó de sua mãe, Constance.
A casa de Constance era a mais bonita de todas naquele bairro colorido onde fora construída.

sábado, 27 de novembro de 2010

Emmanuel Malin






(mais aqui)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010


domingo, 21 de novembro de 2010

entropia

vi felicidade nos olhos de pessoas rasas; pode ser
que felicidade seja algo raso - e eu, desengonçada e longe demais para caber nisso.
passei a manhã caminhando por ruas de casas felizes e recém-pintadas, com jardins e flores e pássaros. eu não caberia em nenhuma delas.
senti-me cinza passando pelas calçadas floridas. parada no meio de uma cidade feliz, cinza. quis arrancar as flores que fugiam das cercas, arrebentar as mãos nesse muro que cresceu ao meu redor. quis ter para quem voltar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

dream time



witch montain

Samuel Palmer



domingo, 14 de novembro de 2010

#1

Quando Paola nasceu, uma senhora cristã muito digna encomendou um feitiço para entristecer sua mãe, que havia roubado e casado e engravidado do noivo de sua filha Márcia.
E quando fez a encomenda à feiticeira, ela disse:
- Quero daquela maldita toda a esperança que roubou de minha pobre filha. Minha filha foi arruinada! Pagará, pois, com a ruína do ser que carregou no próprio ventre!
A feiticeira lhe explicou que tal ato implicaria em terríveis tramas que só o tempo desvelaria e fez seu preço. E pronunciou as seguintes palavras:
- Que assim seja: cresça a menina pequeno monstro, e cresça ainda mais a sombra que anuncia sua chegada a este mundo. Que vague eternamente solitária, que assuste a todos que dela se aproximarem: que seja um monstro.

Paola ainda era um bebê de berço quando sua mãe percebeu algo perturbador: a criança parecia brincar com as sombras. E aqueles pequenos atos de sua filha recém-nascida a perturbavam de maneira inexplicável.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Manhã no espelho (concebendo você)

E como será a manhã na Terra, amanhã? Será de todo céu azul em sintonia com as sinfonias que evadem minha janela em manhãs primaveris?
Se você perceber a plantinha que brotou à beira do caminho
(fruto da chuva que ontem fez barulho pra encobrir o choro velado de quem apenas tem a música como companhia e o riso frenético de
quem, desta vez, perdeu a sanidade)
o sol já poderá brilhar e, para alguém, significar.
Vejo-me no espelho e minhas mãos têm o sangue de todos que, num piscar de olhos, quis mortos por já serem não-mais que fantasmas; mas bem, foi só um reflexo no espelho.
(...como você)
Fora do espelho, já é amanhã.
Outro amanhã para se olhar pela janela e pensar que se poderia, com um céu tão azul, estar em outro lugar.
Mas não era aqui que eu deveria querer estar? Não era com você?
(querendo ou não, estou aqui
-você está aqui, mas não comigo)
Amanhã você acorda e faz uma lista com todas as coisas que diz precisar fazer antes de me; e todas as vezes que passo por você no corredor, sinto como se estivesse assistindo minha vida acontecer na outra margem do rio, longe de mim - que não sei nadar.
(e todas as coisas são feitas enquanto você não me vê)
Ora, você - posso dizer - é como um parêntese em que se pode encaixar qualquer um que julgue significar o bastante. Quem pode saber?
Você - que não me vê - é que não.

outubro sem nome (espelhando você)

foi num outubro tarde primaveril
que olhei para o céu até entrar no azul
e voar até as nuvens de sonho
(restos de algo que um dia esqueci)
sonhando estar onde quis, desde sempre, estar.

e lá de cima, pude ver
que onde eu sempre quis estar é aqui, e que
quem sempre esteve nos meus sonhos foi você.