quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

sobre começar

o começo sempre parece o mais difícil de se alcançar -
mas é sempre onde estamos: no começo de algo.
tudo que você começou e não terminou,
aquilo que precisava terminar e continuou.
depois olha pra trás e vê: não era nada;
vê que poderia ter visto antes.
o que posso dizer? eu disse.
ninguém é obrigado a ouvir.
nem todos têm vontade de ser.
eu disse que posso ver você.
se você não quer ser lido, não escreva.
se não quer ser desafiado, não lute.
se não quer ser querido, não queira.

mas se quiser, é só começar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

cavalo e velha

na noite verão
inferno Porto Alegre
velha sentou na sacadAvenida
e contou aos carros
uma história
que ninguém ouviu

achei tudo nessa vida
encontrei o que não pedi
achei o que não devia
e pensei se a cidade pararia
se gritasse aos que vão lá embaixo
“sei o que procuram!”

soubessem o que procuram - e parariam?
soubessem o que acham - continuariam?

a língua se criou pra que fantasmas nos falem
sirenes são alívio a quem está morrendo
e se há vida aqui dentro
por que ajuda é de fora?

gritaria para a cidade que tem alguém me vendo
que tem alguém vindo me ver
que tem alguém vindo me ver
mas não tenho voz nem ninguém
e seria só mais um na cidade gritando

senhor, deixe meus cavalos!
eu comprei sapatos amarelos
porque sonhei com cavalos que corriam na caixa
e os sapatos vão me levar embora daqui,
então deixe meus cavalos
minha vida que começa com

moço estes são meus cavalos
você nem os quis
só quer porque quer
porque você nem quis saber
mas veja bem: não sou a pessoa certa
e preciso dos cavalos,
você não

posso não ter tido a vida leve
nem por isso me joguei
e tenho cavalos mais honestos que o senhor
veja
que tudo não é apenas coincidência
pois já estive aqui antes;
o senhor não é a pessoa certa
veja
com que letra começa a palavra
vida começa com a letra da palavra
começa com vi
veja aqui,
vida aqui: veja!

eu só vim na sacada
já estava tudo assim
mas ninguém ouviu,
e a velha ria
eles continuavam
ela gritava
ninguém ouvia
e ninguém via
e como iam!
a velha ria:
aonde poderiam ir sem ver nem ouvir?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

the blues (onde você não está)

num pedaço de mundo pintado de céu
subi na cama e avistei o inferno lá fora.
cada linha trouxe-me para dentro;
dentro de cada um há vida - mas
todos ficaram trancados para fora;
fora de mim há Alguém e o mundo
que - ninguém sabe - é vermelho demais para se ver.

seu coração está onde você vê
ou onde você não está?
- está aqui dentro, longe de você - ele disse.

essas coisas todas que estão aqui fora - que estão aqui - é como se não tivessem saído de
dentro de mim
ali fora - existe alguém que saiba ler aqui dentro?
- dentro de você está o que queria perto.
olho para fora e lembro o que guardo dentro.
o que está longe é mais perto que o que está ali fora.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

V - the new mythology suite

over that hill, my heart
is frozen still

refúgio para as almas é o inferno sob este céu azul, nesse sol que ofusca os cabelos de quem não brilha aloirado.
desde que não tenho mais ignorado as vozes de dentro, temo não conseguir - nunca mais - me interessar pelo que
é de fora. fora é a consciência da desnecessariedade.
aqui fora, sob este céu tão puro, com as árvores e as britinhas brancas sob a janela, a gente merece ser feliz.
eu, com estas palavras delirantes que tomam minha vida, sou desnecessária
(neste inferno de sorrisos bonitos)
eu me abracei de tal forma à consciência dessa solidão, à fome, à miséria, à exaustão física, à insônia, me agarrei aos piores aspectos que me fizeram mulher forte, abracei pra machucar, até que me restassem apenas
estas linhas e o céu azul refletido no esmalte de minhas unhas.
assim eu estava, prensada contra a grama pelo peso do céu, vagando sem o coração para pesar
(para saber por trás do que é bonito, entreguei-o à personificação da humaneidade: um sociopata de frios olhos negros;
“agora que você sabe o que há por trás, vá” - foi o que ele me disse)
quis me livrar de todo o peso para chegar ao céu através da grama.
quis chegar ao significado das palavras mágicas, à pureza da chuva no barro, à leveza de um gato arisco.
escolhi para sempre o destino dos malditos que querem ser o que quer que sejam.
só não contava com você.
com v. aparecendo do nada, um estranho ostentando o símbolo que adotei para minha incompreendida solidão de alma. quando comprei aquele pôster de letras vermelho-sangue numa liquidação, todos acharam
tão bonitinho engraçado “veja só ela”;
tão fortemente me agarrei ao que esse quadro simbolizava que fugi de casa agarrada nele enquanto ninguém
me via.

então você apareceu, carregando à sua frente o símbolo secreto do meu exílio deste mundo.
e o que v. dizia era Pantera.
Pantera, meu único consolo após longos dias de trabalho que emendavam noites bêbadas.
todas as noites ouvia Pantera, bêbada quase ao ponto de entender as palavras que eram cantadas; bebi até conseguir digeri-las.
depois disso, passei a temer o que você pudesse significar, temi que pudesse significar O que me faria esquecer destas linhas que não quero esquecer e que me mantêm viva.
por temer que v. pudesse
abracei o improvável e o cruel,
para provar a mim mesma que não há nada além desta solidão, para entender que não é dos outros que virá a sugestão de alguém para significar.
joguei-me nisso com tudo que sou
para provar que há ninguém por trás de quem quer fugir da solidão, para crer de uma vez por todas que meu coração jaz estilhaçado sob a indiferença humana.
para tentar esquecer que v. poderia significar.

voltei aqui julgando-me salva, indiferente às apelações humanas, a alma toda nessa música que está tocando.
mas você continuou significando.
v. sabe o significado dos jogos, da música e do sombrio, como se entendesse o que é fugir para o leste.
você já significa, independente da minha vontade; não estou mais sozinha, e surpreendi-me desejando não estar. depois que entendi o que v. significa, senti a força que estas linhas podem ter, e descobri que elas não desaparecerão se você chegar mais perto. e que para alguém mais, estas linhas podem significar.

this is

e v. é o que há nos sonhos,
tudo e nada no abrir de olhos.