domingo, 13 de setembro de 2009

Uma valsa na cozinha

E lá estava aquele cara, aquele senhor gordo com óculos de aro preto e grosso na cara rechonchuda. Esperem: aquele senhor de tão farta papada, tão austera postura, vai fazer alguma coisa: vejamos:
- Jovem? - disse aquele senhor rechonchudo.
- Pois não?
- Este não é o prato que eu pedi, veja só: eu pedi para aquele outro moço de cabelo encaracolado - não, foi para você mesmo: você é o moço de cabelo encaracolado! - eu pedi uma porção de pato vietnamita ao molho de alcaparras agridoces.
- Bom, deve... deve ter havido algum engano. Só um momento.
O garçom recolheu o prato da mesa e o equilibrou pomposamente até a cozinha.
- Gabriel, o cara da mesa 17 disse que não pediu isso.
- Foi então tu que anotou errado, meu. Eu só faço o que tá anotado nos bilhetes.
- Então tu fez é confusão, porque eu não sou estúpido a ponto de não anotar o que o cara me fala na cara!
- Mas então quem fez a confusão toda e pediu errado foi o cara.
- Tá tá, que seja. Faz aí um outro negócio antes que ele vá embora.
- Eh... mas o erro foi dele.
- QUE SEJA, PUTO!
- Vai xingar tua mãe, ô idiota de merda. E fala duma vez aí o que o tal cara quer.
- O pato.
- Com alcaparras?
- Tem outro?
- Qual é o teu problema hoje, ô puta?
- Tá: faz aí o negócio que daqui a pouco eu venho pegar.
O garçom de cabelos encaracolados chegou até a mesa do senhor gordo de óculos.
- Peço desculpas, senhor. Houve um erro na cozinha, mas daqui a alguns minutos estarei lhe trazendo seu pato.
- Só espero que não demore mais outra meia hora, já quase perdi a fome.
- Não, senhor: daqui a pouco ele estará aqui. Com licença.
O garçom se retirou.
- Olha, George, não vou te esperar pra começar a comer.
- Come, come. depois não entra nos vestido e fica por aí choramingando que tá gorda.
- Ohhhhh George, tu me disse que eu não tinha engordado! Seu monstro!
- Come aí e te aquieta, que eu tenho fome e tô irritado.
Mafalda pensou em falar alguma coisa, espernear e ir embora. mas George é que pagava tudo e o único que sabia dirigir, então... começou a comer.
O garçom de cabelos encaracolados foi novamente até a cozinha.
- E aí meu, tá pronto isso aí?
- Quase, mais uns três minutos.
- Então eu faço um break e fico por aqui mesmo.
- O que que o cara falou?
- Ah não falou nada, essa gente aí nunca fala nada.
- E o que que tu falou pro cara?
- Ah eu inventei lá, falei lá que a gente pedia desculpa e essas coisas.
- Eh sei, daí a culpa é sempre da cozinha, aposto que tu deu a culpa pra cozinha.
- Tá meu, não é assim. Que que tu tem hoje, tá precisando dar pra te acalmar?
- Mas é uma putinha mesmo, sorte tua que eu sou calmo até demais.
- É, tá bom.
- Pega aqui, tá pronto.
O garçom levou o prato até a mesa de George. Mafalda já comia sua sobremesa.
- Já era hora!
- Mais uma vez, desculpe pela demora e pelo engano, senhor. Tenha uma boa refeição.
George, satisfeito com toda a glória que poderia lhe proporcionar a sensação do reconhecimento de uma certeza, garfou cada pedaço do pato de maneira solene e altiva.