quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

sobre partir ou não

O telefone tocou e era a voz dela do outro lado
- Se quiser me ver, aparece lá naquele lugar da outra vez depois do meio-dia.
e desligou.
Estendi a mão até a carteira de cigarros e apanhei um. A voz de Grahan dizia
Something's changing, it's in your eyes
Please don't speak, you'll only lie

enquanto eu o acendia e estendia as pernas sobre a escrivaninha. Observei o céu azul-manhã, as nuvens e o imenso outdoor ali fora. Fazia muito tempo que eu sequer ouvia sua voz. ela tinha dessas coisas: às vezes sumia durante meses, daí voltava e durante um tempo eu a via todos os dias, ela me ligava e convidava para dar uma volta e comer doritos e sorvete, depois sentávamos na beira da calçada e fumávamos sem pressa. Então um dia ela simplesmente não aparecia mais... e passava um dia, dois, mês e eu já sabia que era assim mesmo. Eu só sentia muito medo de que ela não voltasse mais, mas já tinha me acostumado a essa inconstância - ainda assim, continuava acreditando que um dia ela ficaria e que então os dias seriam bons para sempre.
O cigarro estava terminando e eu já sentia vontade de acender outro. Tentei acender, mas o isqueiro parou de funcionar e não quis ir até o fogão. Pensei sobre as nuvens contra o céu flutuando tão brancas até lembrar que ela estava de volta e que a veria novamente. Tomei um banho e procurei a melhor roupa limpa que eu tinha, passei no mercado e comprei uma garrafa de vinho.
Cheguei pouco antes do meio-dia e procurei um banco à sombra - claro que ela ainda não estava lá. Desejei acender um cigarro, mas não vi ninguém fumando por perto. Mudei de posição umas 10 vezes até avistá-la ao longe. O cabelo estava mais comprido e pintado de verde, as roupas estranhíssimas e ultradark - mas eu reconheceria aquele jeito de andar em qualquer lugar. ela já estava bem perto quando percebi que eu estava prendendo a respiração há alguns segundos. Ela disse
- E aí, garoto?
e tirou os óculos escuros, sorriu e me abraçou bem forte. Senti aquele cheiro que só ela tinha
- Por onde tu andou?
- Pelo mundo, por aí, por muitos lugares. e tu?
- Fiquei por aqui mesmo, não fiz nada demais nem fui muito longe.
Quando ela viu a garrafa de vinho, quis logo abrir. Sentou ao meu lado e ofereceu um cigarro enquanto eu tentava tirar a rolha com uma caneta. quando consegui, ela pegou meu rosto entre as mãos e me beijou e eu esqueci do cigarro aceso e da garrafa aberta. Senti aquela pontada de sempre no peito mas ao mesmo tempo me senti tão bem... bem.
- Senti tua falta.
- Isso não é bom. tu sabe que eu... sou assim.
- Eu sei, mas senti tua falta.
- Também pensei bastante em ti.
Ela tinha aquele brilho nos olhos e me fazia sentir bem. não queria pensar que ela não estaria ali para sempre, que sem mais nem menos partiria. Disse-lhe que senti saudade, mas ela certamente não imaginava o quanto. Parecia tão bem e tinha um brilho tão lindo no olhar que eu não conseguia pensar em coisas tristes quando estava ao seu lado.
Certa vez lhe escrevi uma carta com muitas páginas onde eu disse tudo. Levei a carta quando fui vê-la, mas não entreguei. amassei e joguei fora na mesma noite.
- Aqui é o único lugar pra onde eu costumo voltar.
- Só não entendo por que tu some, sabe?
- Eu preciso. Não sei explicar bem, mas eu não posso ficar. Só queria que tu acreditasse que eu gosto muito de estar aqui, mas não posso ficar.
Quis perguntar se não ficaria por mim, mas claro que ela não precisava e estava bem assim. Peguei a mão dela e apertei forte.
- Existem muito mais motivos pras pessoas partirem do que pra ficarem, mas elas sempre acabam ficando. Não consigo ficar, eu não seria eu mesma se ficasse aqui.
e de alguma forma eu pude entendê-la nesse instante, mesmo sem nunca ter partido.