terça-feira, 31 de agosto de 2010

agosto

foi na sacada do sol de agosto que percebi que tudo que tenho pra oferecer são algumas palavras, e que isso não serve pra objeto de barganha.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010






















ando vivendo em sincronicidade e
pensando escaravelhos dourados.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

sala 605

ainda penso se estou fazendo a coisa certa, aqui numa cadeira de estágio para dar aula.
dar aula dar aula satura juventude ser professor cansativo - ouço essas palavras ecoando há oito semestres.
ainda penso em você - em todos os vocês que significam em mim. eu olho no espelho e tento imaginar o que você me vê. olho você se olhando no espelho e penso ver através.
você não existe.
vejo você em todos os lugares.
você não me vê, e se não me vê
não me vê chorar.
(me vi na sacada)
penso como ria enquanto marcava com isqueiro uma cara feliz na rede azul.
toda vez que sento lá, penso em você. no vento frio tremelicando no sol da manhã azul-puído, vejo através da cara feliz o cinza da avenida - e sorrio.
mas você não existe.
não me vê sorrir.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

would you touch me?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Para quem precisa partir

Acordei no meio da noite com o bater da janela escancarada. Estava de tal forma aninhado contra a parede que o cobertor amontoou-se sobre meu peito; levantei da cama sufocado e suado. Lá fora relampejava, e podia ouvir ao longe o silvar da tempestade que se aproximava. Eram 4:33 da madrugada. Na cama do canto, meu colega de quarto dormia tranqüilamente.
Estava apanhando a camiseta para ir até o banheiro quando ouvi passos no corredor. Receei sair imediatamente; esperei até que só pudesse ouvir o barulho dos carros-zumbis da madrugada na avenida cheia de luz que clareava o lixo e as feridas e as coisas que se escondem sob o azul poluído do dia. Sempre tive medo das criaturas da noite e ainda tenho, mesmo com todos esses 26 anos que acumulei. Abri devagar a porta do quarto - uma tentativa inútil de abafar o som da dobradiça enferrujada. O ranger da porta fez com que meu colega rolasse na cama e balbuciasse
- Preciso ir.
- Como? - perguntei
e não obtive resposta. As luzes do corredor estavam todas apagadas, o ar gelado e impessoal como o de um hospital, só que escuro; hospitais são doentiamente brancos, bem sei, mas ali naquela casa os corredores pareciam sempre úmidos e escuros - mesmo com as lâmpadas fluorescentes. Eu caminhava cautelosamente, tateando a passos cegos pelo escuro. Mesmo frio, mesmo sem camiseta, eu continuava suando;
lambi o suor que escorria pelo meu pulso: era ácido. Nesse momento alguém passou rapidamente por mim, silencioso como um gato. Não consegui reconhecer o vulto que se afastava na escuridão; parou a alguns metros e voltou-se em minha direção: era uma garota.
Continuei caminhando, e ela seguiu em frente; adiante, parou para verificar se eu ainda a estava acompanhando.
Aproximei-me dela, parada em frente aos elevadores do hall, e distingui em seu rosto pálido o brilho de dois olhos negros. Por poucos instantes a encarei; ela sustentou meu olhar até o fundo, impassível, para depois desviar e começar a descer os degraus da escada.
Não a conhecia, e portanto resolvi não segui-la. Fui até a sacada, e constatei surpreso que o maço de Marlboro e o isqueiro estavam no bolso da calça de moletom. Sentei numa das cadeiras e acendi um cigarro. Traguei a fumaça artificial e nauseante e traguei de novo e de novo para que a nicotina começasse a me amolecer. Não sinto um prazer genuíno, de carne e vício, no cigarro - mas fumo há alguns anos. desconfio que afeiçoei-me ao isolamento da fumaça dançante e à sinfonia solitária do cigarro, ao tempo virando fumaça; desconfio que gostei disso e fui continuando.
Fixei o olhar num ponto além do véu azul que cobria a sacada e empesteava minha visão, na lâmpada acesa do outro lado da rua; logo, via refletido na tela azul o brilho dos olhos que há pouco me haviam fitado à beira das escadas. O vento gelado já havia secado o suor do meu corpo. Senti o coração acelerado, e a lembrança da garota e de seu olhar mudo me inquietava. Olhei em direção à escadaria, esperando sem muita esperança que ela pudesse ter estado ali o tempo todo a me observar, ou que estivesse voltando para dizer alguma coisa na cumplicidade do silêncio escuro da madrugada.
Pus-me a traçar mentalmente o trajeto de volta ao quarto,
tentando imaginar o caminho que ela poderia ter feito,
querendo entender de onde teria surgido. Vi-me abrindo a porta, depois deitado sob o cobertor suado, revirando-me em sonhos de terras longe demais, e a vi ao meu lado, parada, os olhos negros e profundos como o universo. E diante de mim ressurgiu o sonho, que agora parecia-me familiar como se eu o tivesse sonhado desde sempre e o pudesse tocar e dançar - sempre com ela ao meu lado. Vi-a sentada ao meu lado num banco de pedra, apontando para uma árvore solitária em meio ao capinzal da planície; o vento fazia com que os capins dançassem e formassem ondas de
verde em fúria aplacada pelo
azul do céu. Sem falar nada, levantou e saiu correndo em direção à árvore. Rodopiou e saltitou em meio ao verde-infinito, e lá do meio gritou
- Veja como o azul e o verde se fundem após a árvore: você é meu azul.
Corri até a árvore para encontrá-la sentada sobre uma raiz gigantesca. Olhava para além de mim; em silêncio, apontou: o lugar onde estivemos sucumbia às labaredas do fogo devorador de capim. Senti o calor do fogo e meu corpo todo se aqueceu. quando olhei para ela, os olhos negros eram cheios de compreensão velada, e eu a quis e soube que ela também me queria. Ergueu-se e veio até mim, a boca entreaberta cheia
das coisas que tinha imaginado durante toda a existência e calado,
das coisas que sentia no fundo da alma,
a boca vermelha e os olhos negros. Empurrou-me para o chão e subiu no meu colo,
a boca vermelha e quente junto à minha,
sendo a minha,
sendo eu mesmo como nunca havia sido até então,
estando ali por inteiro sob o peso do universo infinito daqueles olhos que se fechavam, cúmplices meus.
Afastou-se de mim e disse
- Preciso partir.
Ouvi uma sinfonia vinda de longe; olhei em seus olhos e vi a luz do sol a brilhar. Ela apontou para o lugar de onde viemos, e outra vez disse
- Preciso partir.
As chamas estavam próximas demais e me faziam suar.
Abri os olhos e estava na sacada, o vento frio arrepiando minha pele e espalhando em gotículas a chuva fraca que antecede as tempestades. O barulho de vassoura dos garis na avenida vazia me fez voltar à realidade, mas a lembrança do sonho me fez estremecer. Já não sabia se tinha sonhado tudo e chegara até a sacada sonambulando, trêmulo em febre de inverno, ou se havia mesmo encarado tais olhos negros.
Olhei para o corredor vazio e escuro: tive medo de voltar para o quarto. e também não queria o branco opressor das lâmpadas. Caminhei lentamente até a escadaria e desci um lance.

Ela estava parada na sacada do 4º andar, contemplando as árvores da rua. Aproximei-me, cada passo medido cautelosamente, o suor brotando nas têmporas. Parei ao seu lado e toquei-lhe o ombro. Ela se esquivou, mas virou o rosto para olhar em meus olhos. e naqueles olhos negros vi que partilhávamos o mesmo mundo de medos e dores e cores. e quis lhe falar sobre as coisas todas, mas nenhuma palavra foi capaz de alcançar a imensidão disso tudo.
- Preciso partir. - ela disse.
Peguei sua mão: estava gelada e macia, e apertou forte de volta.
- Partir para onde? Qual é seu nome? - perguntei.
- Luiem é meu nome. Preciso partir. Há um peso que me persegue; algo que já foi, mas ainda atormenta e desfaz cada sorriso meu. Estive sonhando com você por muito tempo, e gostaria de poder ficar em cada sonho que estive, mas preciso partir.
Desvencilhou-se de minhas mãos e correu para desaparecer nas sombras da escadaria. Desci o mais rápido que pude até o 3º andar, procurei na sacada e no corredor - em vão. Fui até o outro andar e também não a encontrei, e por fim cheguei à portaria. Da salinha envidraçada o segurança me lançou um olhar interrogativo, e dei-me conta de que assim como estava, a cara amassada e a calça de moletom sem camisa àquela hora da madrugada, deveria estar parecendo um maníaco.

Não sei ao certo quanto tempo se passou desde então. Por vezes, é como se eu morasse nesta casa desde sempre, e desde sempre com Luiem ao meu lado, sentada no sofá do hall, apoiada no balcão da sacada, deitada em minha cama; por vezes, é como se nunca tivesse pertencido verdadeiramente a este lugar e jamais tivesse visto através de seus olhos.
Sonho todas as noites com ela, mas não tenho coragem para sair do quarto durante a madrugada. Por temer as criaturas e o escuro? não. por medo de que ela não exista. Às vezes eu a sinto, como se ela estivesse no quarto ao lado, como se pudesse ouvir sua voz sussurrando no vento antes do temporal. como se pudesse me entender.