segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sobre a dor

Mesmo se alguém com opinião suficientemente influenciável e difundida,
um alguém que resolvesse lançar um compêndio sobre a dor,
qualquer um que sabe o que é dor - um qualquer que não busque a comoção através de relatos e sintomas aglomerados num compêndio, que não corra atrás do sofrimento dos lugares mais sofríveis, que não sente em frente aos macacos agonizantes de uma realidade distante a esperar pelo toque da empatia - qualquer um que tenha um buraco constante na alma saberia que não se pode falar sobre toda densidade e profundidade de uma dor.
- E as músicas tristes que as pessoas fizeram? E os filmes? - ela perguntou enquanto servia outro copo de vinho, e senti vontade de nunca ter iniciado o assunto; soube que ela não poderia entender - mesmo se quisesse, do fundo da alma, entender; ainda, se assim fosse, menos mal eu poderia me sentir, mas estava claro que ela faria perguntas gentis sobre qualquer assunto que eu sugerisse: dor, jacarés ou eleições.
Disse-lhe que não havia parado para pensar sobre isso, e ela começou a contar a história da filha de uma tia que precisou amputar a perna esquerda. Disse-lhe coisas boas de se ouvir antes que o silêncio recaísse sobre nós - sei que ela não suportaria, embora não fosse mais que apenas alguém com quem eu poderia repetir o roteiro de sempre. Deixei que se embebedasse o suficiente para fazer logo o que - sei - ela esperava desde o começo; bebi menos que o suficiente para fingir interesse mais que sexual.

losing all i fought for

Como ela poderia saber sobre a dor desse buraco ou que perder uma perna não é a mesma coisa que se ter um buraco impreenchível? Ainda esperava cruzar meu olhar com o de alguém que soubesse sobre a indescritibilidade das dores. Cada noite amanhecida ao lado de novos corpos com olhos rasos faz ruir um novo pedaço de mim, perdido para sempre no buraco.