quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

neve

garoto corre na neve
corre corre corre na neve

- oh, você é tão gelado. - ela disse.

ele continuou correndo e foi para ainda mais longe.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Smash e Ox Man

- Eu não sei por que tu tá competindo.

- Essa porra desse assunto de novo? qual é o teu problema?

Ela levantou, foi até a cozinha e atirou contra ele um copo cheio de leite.

- Por que diabos tu continua insistindo nesse assunto?

- Porque tu compete por tudo - acha que eu não vejo que tu compete comigo? pode competir - não entendo o porquê de tu agir assim, mas tu nunca vai ganhar de mim em nada.

- Ah tu acha que eu não ganharia? acha mesmo?

Im watching you
Im watching


- Me diz no que tu acha que ganharia, diz!

- Eu poderia escrever um livro que seria muito bom - tu não.

- Ah, tu acha que não? acha que eu não escreveria melhor que tu?

You shall weep no more
Its your last breath of air
These walls wont week them out
They'll keep you in
But whos going to protect you?
- Não apenas escreveria: pintaria, cozinharia - faria o que quisesse melhor que tu.

- E por que essa obstinação por competir a qualquer custo? Não tem por que competir comigo, porra.

Whos going to protect you?
- Por que tu acha que eu compito?

Who?
- Só um abestalhado não veria que tu vive competindo comigo.

Ele jogou a almofada no chão e cerrou os punhos. Conteve-se por alguns segundos; levantou e arrancou sua saia.

In every dark land
In every flower bed
In every marriage bed
Ela o empurrou para cima do sofá, já tirava a blusa.

Ill be with you
Im watching you*
Outra batalha ganha - pensou.

(*) Pristina - FNM

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

i believe

you make me so real
i don't have to shut myself in this cage of me
i see what i haven't seen
i wanna share my place to hide
my place to feel
with you


Riverside

domingo, 27 de dezembro de 2009

and we keep wearing our masks


Ilustrações: Devin McGrath

sábado, 26 de dezembro de 2009

Chelsea Greene Lewyta

As ilustrações dela são tão lindas e criativas que deu vontade de escolher umas 17 pra postar. Aqui tem mais.





quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

more Sam Weber


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

bonita à noite

você passa pelo espelho, indiferente
camiseta e mais nada
apenas você, naturalmente linda.
Eu acho que nunca antes te disse, mas
você é ainda mais bonita à noite...

Beast from air

Beast from air - Sam Weber
(from "Lord of the Flies" illustrated edition)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

longe

sinto cada minuto em todo seu vazio. olho para o céu, sinto cada olhar que me segue com olhos entediados e descrentes, ansiosos por descansar em frente à verdade - mas eu não sou, diante de todos eu reflito o vazio, os olhos que vêem através são verdes como eu nunca antes vi. olho pela janela e tudo é verde contra o céu cinzento, você me mandou o verde e o vento para que eu não sentisse sua falta porque você nunca virá.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Deer mask


ffffound!

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ignorância

Time stood still - Eva Fuka

Um dia você acorda e é como se não tivesse. como se os dias fossem continuações cinzentas dos pesadelos noturnos porque eles parecem tão reais e os dias se afundam nas brumas cada vez mais.
Uma ignorância admitida, porque sei tão pouco sobre tudo e sei que nunca saberei nada - mas não é a ignorância inocente com que sonho, aquela dos meus sete anos, que agora está trancafiada num passado inalcançável.
- Você é famoso agora, veja como é famoso. Ali está seu rosto, naquele cartaz: veja.
- Não é o que eu esperava.
- O que mais você quer, então?
- Eu não sei. eu queria saber.
- Todo o conhecimento humano está nos livros, basta você trilhar seu caminho por entre as estantes.
- Não é isso. Acho que só queria mesmo ir embora, longe de tudo. Gostaria de não saber nada.
dias semanas meses anos décadas
passam, uns morrem e todos lamentam, outros nascem e todos festejam. Não é culpa sua, não é culpa dos deuses. Por um momento mágico você entende tudo, e quando volta deseja nunca ter entendido. ou voltado.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Wonderland?


ffffound!

Nameless

Eu ando com um problema de memória muito específico: nomes. sério: só nomes, e especialmente nomes de pessoas. Já tenho uma imensa facilidade para esquecer (mesmo que temporariamente) acontecimentos ruins, mas isso é uma bênção dos deuses - ainda que de tempos em tempos eu sonhe e lembre de muito que havia esquecido porque na verdade ninguém nunca esquece absolutamente nada.

Pois hoje à tarde me aconteceu, e até agora tento me lembrar de um nome. Sei quem é, o que faz, lembro de tudo a respeito. mas o nome, não. Vejamos:
é músico e toca violão
é amigo do Lennon
namorada faz medicina
Monstro do Pântano também conhece
ganhou o prêmio Açorianos com um CD que acho que se chamava “Balada de Los Buendia” - sim, era esse o nome (e DISSO eu lembro, eu que nunca li nada de García Márquez)
Mas e o nome? Nem da primeira letra eu lembro.

Era quente, uma tarde das mais abafadas em Porto Alegre. o céu cinzento, o ar parado, o suor escorrendo pelas costas. Eu com o óculos que ando usando há alguns dias, que é extra dark e gigantesco (e o fato de ele tampar boa parte do meu rosto muito me agrada), que aliado à miopia me tolhe a visão de muitíssimas coisas; tinha saído do serviço meia hora mais tarde (afinal, um dia na vida poderia ficar um pouco mais, já que chego 40 minutos atrasada todos os dias); ouvia Jethro Tull bem alto e ia para casa - onde gatos, bagunça e sombra fresca certamente encontraria. Entre a rua do brick e a Venâncio, ele - cujo nome não sabia - vinha em minha direção e disso eu também não sabia até quando ele resolveu abanar: certamente não o teria visto se não tivesse me abanado e quase me cortado a frente. No susto, tirei os fones e o óculos para ver quem era. Ahh, sim: o amigo do Lennon!

- E aí, tudo bem? - perguntou

- Tudo bem. - falei isso e estendi a mão, que ele apertou. - Como é que tu me reconheceu?

- Por que, tu tem alguma coisa diferente?

- Não mas é que eu tava com esse troço gigante na cara e olhava pro outro lado da rua.

- Eu tinha um desses também. é, era igualzinho a esse. Esqueci no ônibus quando fui tocar em Passo Fundo.

- Tá indo pra onde com esse calor?

- Tô vendo se encontro um orelhão mais silencioso, preciso fazer várias ligações. E tu?

- Pra casa. Acho que aqueles lá naquela rua são meio silenciosos.

- É, parecem ser. Tem visto os guris, Ellen? Eu queria ter falado com eles ontem, mas tava com torcicolo e não conseguia nem virar pro lado.

Ele lembrava meu nome, e eu não vou lembrar JAMAIS do nome dele se alguém não o repetir perto de mim.

- Bah, eu acho que eles tavam combinando alguma coisa pra fazer na Cidade Baixa mais tarde, tomar umas cevas.

- Ah, vou ligar pro C. então, acho que vou com eles. Umas cevas nesse calor vão bem!

- Bah, vão superbem. Mas então tá, eu vou indo. Até mais.

- Até!

Os fones e o óculos voltaram para o lugar e continuei caminhando pela tarde quente, por vezes lembrando quão melhor teria sido se tivesse pêgo um ônibus.

Com tudo que sei sobre aquele cara, não seria difícil descobrir o nome dele a qualquer instante. mas não vou. Resta uma vaga e persistente esperança: em algum momento, lembrarei do nome all by myself.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

deep peace

it's alright to cry
it's alright to lean on everyone
it's alright to lie in the bed you've made for everyone

and anytime you need someone,
anytime you heed someone
anytime you need me babe, i will be there.

it's alright to die
it's alright to bleed on everyone
it's alright this time
it's all life, you learn from everyone

with every single time you go
...and every single line you blow
anytime you need it man, i won't be there

(inside the picture of the huge, sterile black and white diner on a rainy Sunday afternoon in Chinatown)

it's all going away now
...all going away now
going, going...gone
going, going...gone

it's alright to cry
it's alright to feed on everyone
it's alright to hide,
in your cozy bed from everyone

so anytime you need it man,
get inside and be it man...
anytime you call,
suffer!!!



Devin

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Uma merreca

Dóris empurrou o balde com a ponta do pé e largou o pano sujo dentro. Remexeu-o na água e torceu novamente: a perna continuava doendo, doía atrás do joelho esquerdo havia mais de um mês. mas agora faltava pouco, o salão de festas estava quase todo limpo e só faltaria passar a enceradeira e pronto: daí sim estaria tudo acabado.

A campainha ecoou pela casa. Passando pelo hall, Dóris parou por um instante em frente ao espelho para conferir se a presilha do cabelo estava ajeitada como deveria - perfeita.

- Olá dona Carmem, como vai? - falou Dóris.

- A gente vai indo Dóris, vai indo e tentando ser feliz como pode. - respondeu a outra.

- É, dona Carmem, não ta fácil pra ninguém. Mas vem cá: tu deu uma boa emagrecida né?

- Meniiina, aquele chá faz milagre, precisa só ver! Olha aqui, vem cá ver: a calça frouxa na cintura! Dá pra acreditar?

- Tô louca de vontade de tomar também, mas não acho jeito de ir lá no Mercado comprar. Coisa séria!

- Mas a gente vai levando, Dóris, tem que ir levando como dá. A Miriam tá na piscina?

- Não, hoje ela tá lá na biblioteca. Mas vai entrando, pode passar lá que a senhora já conhece o caminho.

- Pode deixar.

Dóris enrolou o pano no rodo e voltou a esfregar o chão: faltava pouco.



- E aí sumida!

- Aiiii Carmeeem! Quase me mata do coração, sua cachorra!

- Já que tu não dá notícias eu vim atrás pra ver como tu anda! Mas me diz: como vão indo as coisas?

- Quer um café?

- Quero.

- Açúcar ou adoçante?

- Agora pode ser açúcar, com aquele chá eu nem preciso mais me preocupar com adoçante!

- Ah, então tu tá mesmo tomando? Eu quase ia te perguntar se tu não tinha feito uma lipo, guria! Nunca antes te vi assim tão magra.

- Olha, esse chá faz milagre, é fora de sério.

- Ó: cuida que tá quente. Mas senta, vamos sentar ali nas poltronas.

Miriam foi até a janela e abriu a cortina. Arrastou uma poltrona até a frente da outra poltrona e sentou. Carmem sentou na outra poltrona.

- Mas deixa eu te dizer: tô ficando quase maluca. - disse Carmem.

- Tu parece mesmo um pouco abatida...

- Sabe, estão me enlouquecendo lá no departamento. Tu acredita que querem negar o meu pedido de pós-doutorado? dá pra acreditar numa coisa dessas?

- Mas que absuuurdo!

- Eles me disseram bem assim: tu não precisa disso, e acho que fazer um pós aqui na Universidade não seria uma boa opção. Mas eu disse que eu sou técnica porque eu quero, porque eu poderia muito bem dar aula mas acontece que eu quero mesmo é ser técnica.

- Que absuurdo!

- Sim, é um verdadeiro absurdo. Se parar pra analisar, eu tenho muito mais artigo publicado que muito professor de lá, mas eu quero continuar sendo técnica. E agora vão dizer que eu não preciso de pós? Mas olha, eu sei o que tá acontecendo: tem alguém lá que não vai muito com o meu jeito, porque eu se tenho que falar alguma coisa falo mesmo, não fico por aí fingindo e apertando a mão de ninguém, de ninguém! Só em 2008 eu publiquei 5 artigos, é muito mais do que qualquer professor de lá publicou.

- Só pode ser que tem alguém botando olho gordo.

- Sabe que eu até fui me benzer? Eles não sabem é que se eu for fazer o pós vai ser melhor pra própria Instituição, porque eu tô quase conseguindo uma patente inédita! Vão ver só: já dei entrada no pedido e marquei uma reunião com o conselho da unidade, porque isso não vai ficar assim. Eles desmerecem a própria Instituição e os próprios técnicos! Daí eu já pensei o seguinte: eu faço essa pós aqui e depois faço outra no exterior, eles vão ver só!

- Mas só assim mesmo, tem que correr atrás pra conseguir o que se quer.

- Nem me fala, já tô quase ficando doente.

- Mas e a Aninha, como é que ela tá?

- Ela tá suuuper bem, bem demais até. Sabe que a vida dela deu uma reviravolta daquelas depois que ela terminou com o Francis? Se arruma toda pra sair, tá com o cabelo loiro tão bonito... precisa só ver!

- Ela conseguiu emprego?

- Olha, ela tá trabalhando num escritório e ganhando uma meeeerreca, trabalha no escritório de dois arquitetos.

- Bom, ao menos é na área dela.

- Mas tem que ser assim, né? Ela tem que levantar as mãos e agradecer a deus por ter conseguido alguma coisa na área dela! nem que seja qualquer coisa, mas ao menos assim ela não perde o gosto pelo trabalho.

- É mesmo, ficar com um diploma na mão sem trabalhar desanima qualquer um.

- Mas é como eu sempre digo pra ela: a vida a gente tem que ir levando como dá.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Tea-Party

O Chapeleiro foi o primeiro a quebrar o silêncio. "Que dia do mês é hoje?", perguntou, virando-se para Alice: ele tinha tirado seu relógio do bolso e olhava para ele ansiosamente, chacoalhando-o de vez em quando e levantando-o no ar.

Alice pensou um pouco e então falou: "É dia quatro."

"Dois dias errado", suspirou o Chapeleiro. "Eu falei pra você que a manteiga não ia adiantar nada", ele completou, olhando raivosamente para a Lebre de Março.

"Era a melhor manteiga", a Lebre de Março replicou mansamente.

"Sim, mas algumas migalhas devem ter caído", o Chapeleiro rosnou. "Você não deveria ter passado com uma faca de pão."

A Lebre de Março apanhou o relógio e olhou para ele melancolicamente; então afundou-o na sua xícara de chá, e olhou novamente para ele: mas parecia que não encontrava nada melhor para dizer que o que já dissera: "Era a melhor manteiga, você sabe."

Alice estivera olhando por cima dos ombros com curiosidade. "Que relógio engraçado!", ela observou. "Ele diz o dia do mês e não diz a hora!"

"Porque deveria?", resmungou o Chapeleiro."Por acaso o seu relógio diz o ano que é?"

"É claro que não", Alice replicou rapidamente, "mas é porque o ano permanece por muito tempo o mesmo."

"Este é exatamente o caso do meu", disse o Chapeleiro.

Alice sentiu-se terrivelmente perturbada. O comentário do Chapeleiro parecia para a menina completamente sem sentido, e ainda assim era inglês. "Eu não estou entendendo nada", ela disse, o mais educadamente que pôde.

"O Leirão está dormindo novamente", disse o Chapeleiro, e despejou um pouco de chá quente sobre seu nariz.



Carroll

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Toma e te aquieta, Monstro do Pântano

J: Só sei que eu comi aquela lasanha depois de ter bebido demais, deitei na cama e logo levantei pra vomitar. 10 segundos depois que botei tudo pra fora já me sentia bem melhor.
E: Mas tu não bebeu tanto assim.
J: É que vocês são acostumados a beber bem mais, eu quase nunca bebo.
E: Não, o problema não foi com o vinho. É que tu misturou com aquele conhaque, aquele conhaque tava horrível.
R: Ah, tu tomou aquele conhaque? Eu só fingi!
E: Tu fingiu? Eu também fingi hahahahahaha Mas sério: coisa ruim desse tipo não dá pra misturar se tu acha que vai te fazer mal, tem que fingir.

sábado, 26 de setembro de 2009

again today

and if you fall along the way, and people start to stare
i'll grab my mask, put on my cape, and soon i will be there

for you... hey, i'm so sorry again today
and hey, for you, i'll be sorry tomorrow, too

okay? okay? let's be sorry everyday


K. Moore

one of these days

i'm going to cut you into little pieces, Anita



Desculpe, Anita. Eu deveria simplesmente ir embora e nunca mais voltar - você nunca dirá nada, sequer notará. sou só mais um cara patético como todos aqueles caras da parada de ônibus.
Desculpe.

i knew i could forget you
that's what i'm gonna do
now i'm staring at a stop sign
just like the last time*


(*) K. Moore

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Freak e idiotão

- Não guria, mas deixa só eu te contar o que ele me disse: ele olhou bem pra minha cara e disse que achava que tava perdendo tempo, daí eu disse: pois quem tá perdendo tempo...
- Ah, olha lá aquele cara de novo.
- Quem, o Gian?
- Não, aquele lá ó.
- Não sei quem é. Daí eu disse assim pra ele: eu acho que se tem alguém que tá perdendo com esse namoro sou eu, e ele pegou e...
- Peraí, eu só preciso falar uma coisa.
- Ai, fala logo então porque eu quero terminar pra te dizer o que aconteceu depois - tu nem sabe, ele ficou com a cara no chão, guria, no chão!
- Dá uma olhada pra ver se aquele cara tá olhando.
- Aquele que tu me mostrou antes?
- É.
- Sei lá, parece que não. ele sentou lá adiante.
- Olha só, eu acho que esse cara é meio maluco.
- Como assim maluco, Anita?
- Sei lá guria, ele é muito estranho. Às vezes eu até acho que ele me persegue, parece um desses freaks de filme de suspense.
- Ai credo, guria! Que horror!
- Bah, nem me fala. Sei lá, pode ser só impressão minha, mas com essas coisas eu não me engano, por deus que não me engano!
- Eu sei, eu lembro aquela vez que eu ia ficar com o Roger e tu disse que não era - lembra o que aconteceu? Olha aqui: só de lembrar já tô toda arrepiada!
- Esse cara é meu colega na cadeira de terça, aquela que tu não faz comigo. acho que é América III.
- É.
- Ai guria, sei lá, ele ficava me olhando de um jeito estranho, me deu até medo. E tenho a impressão de que ele me persegue, sabe? em todo lugar que eu vou, ele tá. Sei lá, pode ser coisa da minha cabeça.
- Mas esses negócios de intuição tem que levar a sério, não dá pra brincar com essas coisas. Olha aqui: tu me falou isso e me arrepiei de novo!
- E o pior de tudo é que esse cara parece muito chato, ele é todo errado. Ai, tudo que é gente desse tipo sempre se gruda em mim, parece macumba!
- Ai pára guria hahahahahahahahahahahahahahahahahahaha
- hahahahahaha
- Essa foi boa hahahahahahhaha
- hehehehehehehehehe
- Ah, mas sei lá: tenta não dar bola pra ele e talvez ele pára. É só mais um idiotão desses, ele parece meio nerd também. Deixa ele pra lá.
- É, vai ver ele é um dos meus admiradores secretos hahahahahahahahahahahahahahaha
- hahahahahahahahahahahahaahahahahahahahahahahahaha
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
- hahahahahaha ai Anita, hoje tu tá hilária!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

beyond the pale

this is not who i wanted to be,
this is not what i wanted to see
she's so young so why don't i feel free now that she is here under me?


D. Gildenlöw

Anita?

Entrei na sala e sentei na parede ao lado da janela. Naquela proposta de aulas participativas e essas coisas - tudo aquilo que ensinaram ao jovem doutorzinho A. nas cadeiras da FACED quando então ele era apenas um garoto com as ambições chatas e comuns de qualquer graduando deslumbrado com a Academia - essas coisas que eu não suporto. Para que todos pudessem participar adequadamente da aula participativa que A. planejara, pediu que a turma sentasse em U.
Mal havia me acomodado, Anita entrou na sala. prendi a respiração por alguns poucos segundos: ela ainda causava esse impacto, vários dias haviam se passado e eu pensei que nunca mais me sentiria assim outra vez. mas foi só ela aparecer na minha frente e tudo voltou a ser como era. Ela sentou junto à parede do outro lado da sala, quase em frente a mim.
tudo que eu havia pensado todas as vezes que a amaldiçoei e pensei tudo de pior que poderia pensar dela todos os dias que passei sem pensar nela todas as vezes que desejei nunca mais vê-la
e bastava ela entrar na sala para eu perceber que nada mudou.
patético como sou, deveria mesmo ter imaginado. Guria do inferno. eu não queria nada disso. Inferno.
A aula começou e interrompeu minha depreciativa linha de pensamento.
não vou olhar pra ela não vou não vou e não vou olhar vou prestar atenção na aula e só e não vou nem olhar pro outro lado da sala
Bem que tentei prestar atenção na aula, mas bastaram poucos minutos para que o tédio começasse a me tentar. Virei-me na cadeira para conseguir pegar o caderninho na mochila, e na virada tive a impressão de ter visto ela olhando em minha direção.
NÃO vou olhar foi só impressão deixa assim não vou olhar NÃO vou
Rabisquei qualquer coisa no caderninho. caneta na mão direita esquerda e direita de novo. traços bobos, cubos no topo da página. Comecei a escrever alguma coisa qualquer, mas os colegas que sentavam ao meu lado também estavam entediados e lançavam olhares furtivos sobre meus garranchos. fechei o caderno e desisti.
Olhei para o teto, e sim: Anita me observava. o esboço de um sorriso no canto da boca - devia ter alguma coisa errada na minha cara. Comecei a ficar inquieto com aquilo; já não suporto quando qualquer outra pessoa olha para mim e agora ela estava ali olhando, ela que nunca antes havia sequer notado minha existência.
Fui até o banheiro e examinei atentamente meu rosto no espelho: normal e sem-graça como sempre. Entrei na sala e caminhei até o lugar em que estava sentado. não olhei na direção de Anita, mas cada passo meu parecia ser em câmera lenta e a cada palmo percorrido eu sentia que aqueles olhos azuis me observavam.
Pois bem, Anita: o que você quer?
Sentei, cruzei a perna esquerda sobre a direita e olhei direto para ela - ela me olhava de volta, o sorriso no canto da boca.
Estaria sorrindo para mim ou estaria rindo da minha cara e do meu jeito patético?
achou engraçada minha franja? meu óculos é feio? minha cara é redonda demais? meu tênis é tosco? me acha idiota? me acha comum? achou ridículo listrado e xadrez juntos? gostou da minha franja? me acha idiota? me acha feio demais? pode ser
O que você quer, Anita?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Francesca

Aos 22 anos, Francesca Woodman cometeu suicídio. mas legou ao mundo centenas de fotos e vídeos que deixavam transparecer toda sua inquietação e agonia.




quinta-feira, 17 de setembro de 2009

E aqueles pornôs que tu tem gravado?

- Eu assisto mesmo é pelos bigodes, ah aqueles bigodes que se usava naquela época! Hoje em dia tu não vê mais, mas eu continuo usando, sempre usei só bigode. Um dia quando a mulher ainda era viva ela me disse: - Experimenta deixar toda a barba pra ver como é que fica, Glauco, acho que combina mais contigo. e eu disse pra ela que eu nunca na vida tinha usado barba cheia nem nunca ia usar, e que não chegaria o dia em que ela me veria com a barba cheia! Eu é que não me metia nos negócio de cabelo dela, ela vivia com aquele cabelo que era um carnaval só, toda semana uma cor diferente. Tu acredita que um dia ela me apareceu loira em casa? mas olha, loira assim quase branca bem alemoa, mas ela era morena do pêlo durogrosso porque tinha mistura com índio, e me apareceu desse jeito e ainda com permanente nos cabelo. E eu disse pra ela que não tinha ficado bonito porque eu achava que era uma coisa que tinha que se dizer. Isso era naquela época da Madonna, lembra? eu lembro que começaram tudo a querer pintar o cabelo que nem o da Madonna e ir na ginástica, mas a mulher hein? vou te contar que bicho mais esquisito: teimava, teimava e naquele dia que eu disse isso do cabelo ainda se emburrou e ficou emburrada mais uns dois dias eu tô te dizendo. Mas sabe que eu gostava bastante dela, tem até um quadro pintado de quando a gente se casou pendurado ali em cima da tevê, ela até que era bem bonita quando era nova. Ela era um bicho assim esquisito né mas eu tinha me acostumado com ela e senti bastante falta quando ela morreu. De noitezinha ela sempre sentava comigo na área e tomava umas cuia de chimarrão, agora eu já não tenho mais com quem conversar, essa gente nova de hoje parece que já não gosta de conversar tô te dizendo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Lá está o rapaz que chamam de gênio

Este não é meu: quem escreveu foi meu amigo Monstro do Pântano. Gosto das coisas que ele escreve, e gostei muito deste: por isso está aqui.


Lá está o rapaz que chamam de gênio. Veja como se porta. O olhar abafado pelas ruminações atemporais – eu
precisava duma frase assim. Afinal, o que é um olhar abafado? O que são ruminações atemporais? O rapaz que chamam de gênio sabe. Ele olha enigmaticamente a todos e enxovalha as primeiras bocetinhas. Lá está aquele...gênio! Sim oh sim é genial que rapaz que têmporas que palavras muito bem colocadas e como escreve bem o gênio. Ele não precisa de argumentos – é um gênio. Está, está muito bem acentuado em seus traços psicológicos tal genialidade. A forma com que ele dá o primeiro passo ao entrar na sala... que estilo! Gênio! Oh são tão raros homens como ele, que rapaz espirituoso. Um olhar afetado que diz mais do que parece dizer mas menos do que queríamos que dissesse. E que modos tão estranhos – mas nele que é gênio fica tudo muito bem. A timidez dos gênios como ele casa (ai, casa!) com a incompatibilidade de espírito ao social. Sempre entrando de sopetão nas conversas e... dizendo abstrações ou sutilezas que resumem uma conversa. Ai, gênio, gênio! Parabéns, você é um gênio. E sabe o que mais gosto nos gênios? A segurança e proteção que deles emana. Porque eles sabem mais que nós – são gênios, são inalcançáveis, maiores que nós; é isso que a sociedade está procurando: o que é maior que o racional.

Cuidado! Olha, vê como te porta. O gênio está vindo aí, quero que preste muita atenção nele porque você precisa de um gênio pra acalentar teu instinto maternal, Geórgia.

- Olá, mestre Derrotadinho, como vai?

- Olá senhor Gênio! Vou muito bem, aliás excelentemente bem. Como vai o senhor?

- Obrigado por perguntar... mas... eh, bem, a vida tem dessas que nós, ah... sabes o que.

- Oh sim, sim! Como se não soubesse, se não soubesse. Sabe senhor, muito lhe admiro. Aquilo... aquilo que o senhor me disse, aquele conselho valioso, bem, como não poderia ser menos enigmático e genial aquilo que dissestes! Tenho em vossa...vossa...ai esqueci de conjugar o vós...vossa...vossa...ai, desculpa gênio. Desculpa. Não posso continuar a frase se não sei conjugar o vós.

- Não há o que se desculpar. Mas não seja comunista, viu? Há idade pra tudo. Pra tudo! Você acha que eu cairia nesse papinho? Fique... fique esperto. Não se apegue a paixões nem valores que o ridicularizem depois, numa luta que ninguém dá um tostão e aí... aí.... ai, mestre Derrotadinho. Aí serás gênio!

- Gênio... gênio... quero... ser... gênio.

- Mas não se esqueça de ligar todo dia às 20h pra sua namorada e dar a ela saborosas satisfações. Faz parte do esquema dos gênios: somos invulneráveis. Somos austeros. Somos incorruptíveis. Somos bem crescidinhos – damos proteção. Damos tudo, tudo! Gênios ah gênios! Trabalhamos, estudamos, lemos, indicamos autores, ditamos regras de comportamento social e falamos o que há para ser ignorado (por exemplo, não vá à FACED) – gênios! Mas... não se esqueça de ligar... de deixar um recado à namorada e avisar onde estamos. É importante aos gênios (não conte a ninguém).

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gatos mortos pelo caminho

Eu queria - queria muito ouvir Chroma Key. Desde ontem tenho pensado nisso, mas tudo o que tenho está ali no computador que estragou.
- Ei Ellen, use a internet, a interneeet!
- Oh deus, obrigada.

- Agora vá na missa.
- Mas já agradeci!
- É por isso, filha, que teu computador estraga tanto! ha ha HA HA

Em breve ouvirei; mas nada disso tem a ver com o que eu pretendia escrever. só que ouvir Moore cantando "i feel like an astronaut in a submarine" resume um monte de coisas.

Na noite de sábado para domingo eu sonhei de novo. Sonhei que tinha apanhado como nunca apanhei, que era eu hoje - não criança -, mas apanhei como nunca na vida. O pior não eram os machucados, isso acostuma. era ela e aquela boca. Tudo o que eu queria era que ela calasse a boca, que parasse de dizer as coisas malditas, gritando, espumando, repetindo e repetindo sem parar tudo o que de pior pudesse existir para se dizer. Eu tentava falar, tentava fazer ela parar com aquilo, mas ela só gritava.
Era assim. Por algum tempo eu tinha esquecido disso e dos gritos, mas o pesadelo me fez lembrar do desespero, da raiva.
De todas as pessoas que conheci, ela é a pior de todas. e é minha mãe.
Hush now baby, baby, dont you cry.
Mother's gonna make all your nightmares come true.
Mother's gonna put all her fears into you.
Mother's gonna keep you right here under her wing.
She wont let you fly, but she might let you sing.
Mama will keep baby cozy and warm.
Ooooh baby ooooh baby oooooh baby,
Of course mama'll help to build the wall.

Eu não tenho ódio. Um dia meu caro amigo R. perguntou como eu ainda falava com ela. Eu não falo: deixo ela falar, todos os seus graves e mesmos problemas, um a um, tudo isso ela fala sempre.
(quando comecei a trabalhar e fui obrigada a aprender a lidar melhor com pessoas, descobri que quase sempre basta deixá-las falar. você diz qualquer coisa: "semana corrida pra ti, né?" e ela vai falar sem parar de como a semana está sendo difícil. isso dá certo com a grande maioria, porque quase todo mundo adora falar e ainda mais se for sobre si próprio. mas existem alguns que não falam, que sabem o valor de salvar do vazio as preciosas palavras.)
É sempre a mesma coisa, uma fórmula repetida que para sempre irá funcionar. Sei que ela não se importa. Quando eu tinha uns 13 anos, ouvi meu pai dizer que ela não queria ter esses filhos e que nunca gostou deles. eles: eu e meu irmão. Mas eu já sabia. Ela não se importa e não se preocupa, não quer saber da minha vida. De algum jeito eu sobrevivi e cheguei à conclusão de que ela é uma pobre psicopata doente, que acredita que todos a admiram e que é bela e irresistível.
Tudo o que sinto é nada. nada de afeto. raiva, revolta: nada.
Os anos passaram e só agradeço por ser tão parecida com meu pai. Mas eu o amava tanto quando eu era pequena... e ele me deixou. Será que ele não via? Pai, você não vinha me salvar. Eu corria para a porta quando você chegava, mas você não via. Sim, minha garganta dói e eu choro agora, porque eu lembro. Onde você estava quando eu quase desmaiava, espancada e sem poder chorar? Você não me via, pai? Eu era apenas uma criança, eu e meu irmãozinho que nem aprendeu a falar, e você nos deixou. Nos trancou para dentro de casa com ela e foi embora. Você nunca conversou comigo, mas eu vejo em seu olhar o quanto se arrepende. De alguma forma, sei que somos parecidos e que você é bom. Ela queria que eu fosse uma bonequinha, que eu fosse como ela, mas eu sou que nem você. Você nunca me abraçou quando eu precisei, pai, nem me abraçou sem precisar.
Eu amava os gatos, eles conversavam comigo e me amavam. Eu gostava do mato, de subir nas árvores e ficar lá sozinha. Eles chegavam e ficavam comigo quando eu precisava e sempre.
Há alguns dias meu pai me contou que minha mãe mandava matar meus gatos. O tempo passa e vejo cada vez mais a pessoa horrível, a pior do mundo; o medo que eu sentia ficou para trás, com todos aqueles anos enterrados.
Eu os teria protegido, se soubesse, teria protegido meu irmãozinho, se soubesse. mas eu não sabia proteger sequer a mim mesma, eu era tão pequena e tinha tanto medo.
Todos aqueles gatos que me amaram e morreram por me amar, eu os amava tanto. Sou o que sou porque eles me amaram.

domingo, 13 de setembro de 2009

Uma valsa na cozinha

E lá estava aquele cara, aquele senhor gordo com óculos de aro preto e grosso na cara rechonchuda. Esperem: aquele senhor de tão farta papada, tão austera postura, vai fazer alguma coisa: vejamos:
- Jovem? - disse aquele senhor rechonchudo.
- Pois não?
- Este não é o prato que eu pedi, veja só: eu pedi para aquele outro moço de cabelo encaracolado - não, foi para você mesmo: você é o moço de cabelo encaracolado! - eu pedi uma porção de pato vietnamita ao molho de alcaparras agridoces.
- Bom, deve... deve ter havido algum engano. Só um momento.
O garçom recolheu o prato da mesa e o equilibrou pomposamente até a cozinha.
- Gabriel, o cara da mesa 17 disse que não pediu isso.
- Foi então tu que anotou errado, meu. Eu só faço o que tá anotado nos bilhetes.
- Então tu fez é confusão, porque eu não sou estúpido a ponto de não anotar o que o cara me fala na cara!
- Mas então quem fez a confusão toda e pediu errado foi o cara.
- Tá tá, que seja. Faz aí um outro negócio antes que ele vá embora.
- Eh... mas o erro foi dele.
- QUE SEJA, PUTO!
- Vai xingar tua mãe, ô idiota de merda. E fala duma vez aí o que o tal cara quer.
- O pato.
- Com alcaparras?
- Tem outro?
- Qual é o teu problema hoje, ô puta?
- Tá: faz aí o negócio que daqui a pouco eu venho pegar.
O garçom de cabelos encaracolados chegou até a mesa do senhor gordo de óculos.
- Peço desculpas, senhor. Houve um erro na cozinha, mas daqui a alguns minutos estarei lhe trazendo seu pato.
- Só espero que não demore mais outra meia hora, já quase perdi a fome.
- Não, senhor: daqui a pouco ele estará aqui. Com licença.
O garçom se retirou.
- Olha, George, não vou te esperar pra começar a comer.
- Come, come. depois não entra nos vestido e fica por aí choramingando que tá gorda.
- Ohhhhh George, tu me disse que eu não tinha engordado! Seu monstro!
- Come aí e te aquieta, que eu tenho fome e tô irritado.
Mafalda pensou em falar alguma coisa, espernear e ir embora. mas George é que pagava tudo e o único que sabia dirigir, então... começou a comer.
O garçom de cabelos encaracolados foi novamente até a cozinha.
- E aí meu, tá pronto isso aí?
- Quase, mais uns três minutos.
- Então eu faço um break e fico por aqui mesmo.
- O que que o cara falou?
- Ah não falou nada, essa gente aí nunca fala nada.
- E o que que tu falou pro cara?
- Ah eu inventei lá, falei lá que a gente pedia desculpa e essas coisas.
- Eh sei, daí a culpa é sempre da cozinha, aposto que tu deu a culpa pra cozinha.
- Tá meu, não é assim. Que que tu tem hoje, tá precisando dar pra te acalmar?
- Mas é uma putinha mesmo, sorte tua que eu sou calmo até demais.
- É, tá bom.
- Pega aqui, tá pronto.
O garçom levou o prato até a mesa de George. Mafalda já comia sua sobremesa.
- Já era hora!
- Mais uma vez, desculpe pela demora e pelo engano, senhor. Tenha uma boa refeição.
George, satisfeito com toda a glória que poderia lhe proporcionar a sensação do reconhecimento de uma certeza, garfou cada pedaço do pato de maneira solene e altiva.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Anita

Cortinas vermelhas e encardidas deixavam transparecer o movimento da rua: o sol de inverno ainda estava alto lá fora. O quarto era pequeno: uma cama de casal espremida contra a janela ao lado de um criado-mudo com um copo d'água em cima, e as cortinas vermelhas.
A porta estava encostada; ele estava ali em pé desde o momento que entrara no quarto - deveria sentar na cama? deveria tirar a roupa? poderia tomar a água? Não, ficaria ali, de pé e vestido e com as mãos no bolso.
Não sabia o que esperar nem o que fazer. Alguém entraria pela porta, alguma moça. Que ao menos fosse um pouco bonita, então. mas fosse bonita quanto pudesse ser, a mais bonita de todas daquele lugar e da cidade inteira, não seria ela. Teria olhos azuis? poderia ter, mas não seriam os olhos dela, não seria ela nem nada dela - mas tudo o que queria era que fosse ela a entrar pela porta dentro de alguns instantes, não por aquela porta e naquele quarto com cheiro de suor e quarto fechado, mas que em outro lugar ela entrasse e olhasse para ele com aqueles olhos azuis e ficasse ali com ele e o quisesse.
Anita.
Tinha aqueles olhos azuis lindos e tristes, tanta coisa ele sabia e ela nem fazia idéia. Será que o odiava, o achava tolo, o ignorava propositalmente? Não sabia o que pensar sobre nada, devia ser apenas mais um idiota de 22 anos que agora estava ali e pensava nela.
22 anos e estava ali: um perfeito idiota
Não conseguiria fazer nada; que fosse logo embora, então. Aproximou-se da porta, agarrou a maçaneta e saiu. Uma mulher sardenta e com algumas dobras na cintura e cara de 30 anos passou por ele no final da escadaria - estaria indo para o quarto onde ele esteve? Fez bem em ter saído.
Caminhava pela rua e continuava com as mãos no bolso. o sol estava quente demais para um dia de inverno. Por que ela o ignorava? Uma pedra perfeita na beira da calçada: começou a chutá-la e depois chutou com força e atingiu a perna esquerda da garotinha que caminhava lá na frente.
Anita.
Sentia uma dor no peito só de pensar no nome dela, pensava nela e pensava naqueles olhos azuis tão claros e tristes. se ela nunca o tivesse olhado naquele dia em que ele olhou fundo nos olhos dela não estaria ali nem se sentiria o maior idiota dentre todos os caras de 22 anos.
Ainda naquela manhã cruzara com ela antes que a aula começasse, ela estava sempre com alguém e sempre passava e não o via. ou ignorava. Será que ela percebeu que ele sempre sentava atrás dela no ônibus?
Cerrou os punhos com força, as unhas machucando a palma das mãos. por uma garota, tudo por uma garota sobre a qual ele sabia tanto e não sabia nem como. e ela o ignorava - talvez até odiasse.
As classes sociais, o populismo e tudo o que todo o resto do mundo tinha para se preocupar, e ele só pensava nela. Tantas vezes a viu sozinha no ônibus, sentada na janela; sabia exatamente o que falar. e passava reto, sentava no banco de trás e ela nem o via.
I know someday you'll have a beautiful life,
I know you'll be a star in somebody else's sky,
But why,
why,
why can't it be,
can't it be mine
?
era o que mais pensava nos últimos dois meses, dessas coisas que caem como uma luva. Passava as noites bêbado e até chorava. e tinha 22 anos e era patético - bem poderia se chamar Jeremy.
Mas ela era dessas garotas do tipo que a gente nunca teria chance e ama em silêncio e desespero. daquelas que a gente lembra pelo resto da vida.

domingo, 30 de agosto de 2009

Hollow

What's left inside him?
Don't he remember us?

Can't he believe me?

We seemed like bothers

Talked for hours last month

About what we wanna be

I sit now with his hand in mine

But I know he can't feel...


No one knows

What's done is done

It's as if he were dead


I'm close with his mother

And she cries endlessly

Lord how we miss him

At least what's remembered

It's so important to make best friends in life

But it's hard when my friend sits with blank expressions


No one knows

What's done is done

It's as if he were dead


He as hollow as I alone now

He as hollow as I alone

A shell of my friend

Just flesh and bone

There's no soul

He sees no love

I shake my fists at skies above

Mad at God


He as hollow as I converse

I wish he'd waken from this curse

Hear my words before it's through

I want to come in after you

My best friend


He as hollow as I alone




porque Pantera é algo que tive vontade de ouvir hoje - e só então me dei conta de quanto tempo fazia que eu não ouvia. É estranho, porque foi o que eu mais ouvi durante o período mais conturbado da minha vida; foi quase só o que ouvi durante uns três anos. A melodia de "Hollow" é a última coisa de que lembro antes de apagar por não sei quanto tempo e acordar numa cama de hospital sem conseguir me mexer (e essa lembrança que nunca me abandonou sequer serviu para me impedir de pensar em não tentar de novo. dois anos depois seria ainda pior. e admito que ainda penso, mas talvez não tenha mais a mesma coragem que tinha sete anos atrás.)
Nunca gostei muito de baladas, mas Pantera tem aquelas que doem de tão sinceras - perdi a conta de quantas vezes tive vontade de chorar ouvindo "Floods", porque eu também queria apenas ser levada embora junto com a água, simples assim. (ei, leitores imaginários: ouçam "The Great Southern Trendkill", ignorem algumas letras ofensivas, e terão o CD mais agressivo e depressivo que eu já ouvi.)
Ontem, durante uma conversa de horas e dores, meu melhor amigo me falou sobre "Mad Season", e hoje me deparei com isso: Above, do Mad Season, é o disco certo para ouvir em um dia de chuva, enquanto se escreve uma carta suicida. that's the kind of thing that completely breaks me. Semana passada mencionei Kafka num dia, e no outro teria uma conversa sobre ele completamente ao acaso; e só então eu sentiria vontade de lê-lo.

Talvez tudo isso já tenha passado do ponto da simples coincidência.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Pateticamente falando

Por que eu falo, se nada tenho e mais patética me sinto a cada palavra? Gostaria de saber conversar, de saber me expressar. desci do ônibus e cá já estou, fazendo a única coisa que sei mal e mal.
Não gosto de contar e medir conhecimento - mas o que fazer? Na minha boca isso soa falso porque não gosto de falar sobre mim, gosto que os outros falem e que eu fique só ali. Mas por que eu falo?
Poucas são as pessoas com quem gosto de conversar, daí eu falo e falo num dia desses. demais e demais tudo errado e sem sentido. Peço desculpas, não quis assustar. Mas veja, estou ouvindo Alice in Chains - se é que isso pode significar alguma coisa. mas é grunge e é nisso que penso agora.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

K. de Kafka ou de que?

Não tinha título para isso, mas esse serve por algum motivo.
(nunca li nada de Kafka mas pretendo algum dia, talvez, pode ser que eu até leia. mas sei por algum motivo que ele criou um personagem chamado K., que eu roubei apenas para este título e nada mais quero com essa consoante agora.)

Roger Waters me lembra alguém.
Ao ver alguns vídeos dele ao lado de Syd, sinto que naquela época ele parecia feliz como uma criança - aquele tipo de empolgação que vemos em pouquíssimas pessoas ao longo da vida, aquelas que fazem sua luz brilhar nos outros.
É fácil teorizar sobre quem não conhecemos nem nunca vamos, mas é que Roger Waters me lembra alguém. de inúmeras formas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

art



ffffound!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

egrégia Professora Vilma Charneca Emblema

Vilma era a pior professora do mundo. Mas atenção ao escrever: é Vilma com v, não com w - era o que mais gostava de dizer.
Entrou na sala, tão redonda que alguns chegavam a supor que se tropeçasse sairia rolando de encontro à parede à sua frente.
- Peguem aí uma folha do bloco e escolham alguém pra fazer dupla com vocês. - falou Vilma
A profe tá nos azeites hoje - teria dito Ellen se estivesse em outra época e outro lugar e outra história, mas ao invés disso disse:
- Tu vem até aqui, Ana? Aqui no canto é melhor eu acho...
- Aham.
Ana arrastou a mesa até a parede direita da sala. as janelas ficavam ao fundo.
- Vocês vão escrever uma redação sobre qualquer tema. Tem que ter no mínimo 15 linhas, e é pra entregar hoje.
Alguém que Ellen não soube exatamente quem era só pela voz falou:
- Ai que saco: 15 linhas!
- Parem de reclamar, vocês podem escrever sobre o que quiserem, se continuarem reclamando vão ter menos tempo. E anotem aí uma nova característica que vocês vão aprender hoje: egrégia. e-gré-gi-a, com g. Pra praticarem, escrevam aí no bloco antes do meu nome, assim: egrégia Professora Vilma - com v, não com w - Charneca Emblema.
Barulho de cadeiras e mesas sendo empurradas, uns pedindo folha de bloco emprestada.
- Igreja, profe? - perguntou Igor
- Não:
e-gré-gi-a. Atenção agora, todo mundo! vou escrever aqui no quadro, ó: e... gré... gi... a. Antes de Professora.
- O que isso significa?
- Procurem no dicionário, tem um monte lá na biblioteca. Se vocês tiverem preguiça, pensem na professora e no que poderia representar essa palavra. Comecem a fazer a redação, não vou aceitar nenhuma na próxima aula. e podem fazer a lápis também.
Ana pegou na mochila o bloco e começou a preencher o cabeçalho.
- Já tem alguma idéia? - falou
- Não... e tu? - disse Ellen
- Também não. Que dia é hoje?
- 27, eu acho. Peraí! A gente tá em julho, né? depois vem setembro ou agosto?
- Peraí: é sete, oito... agosto!
- Eu acho que esse é o mês do cachorro louco, eu - eu tive uma idéia, olha só: dava pra escrever sobre um cachorro com aquela doença que eles se babam tudo e ficam maluco
- raiva?
- é, raiva, e ele invade uma casa e no final ele morre porque descobrem que ele é do mal! Que que tu acha?
- Daí ele podia morder alguém e virar lobisomem!
- Ele virar lobisomem? nossa, ia ficar muito fera! Mas eu acho que não ia dar tempo de terminar hoje.
- É mesmo... então o cachorro morre e deu.
Ellen pegou o bloco e começou a escrever. Às 9:07, já estava com o texto pronto e o entregava à professora.
- Será que a gente vai bem? Fui meio mal naquele ditado esses dias... - falou Ana
- Bem - não sei, mas mal acho que não.
Passaram-se umas 23 horas, a mesma sala, os mesmos uniformes: será que ela tropeçaria e sairia rolando até a parede?
- Muito bem, prestem atenção: se vocês fizerem silêncio eu entrego as redações no começo da aula. - disse Vilma
Quando o nome da dupla foi chamado, Ana foi até a mesa da professora para buscar a folha. Sentou-se de volta em sua mesa e foi conferir o resultado junto com Ellen. Abaixo do texto, estava escrito de caneta preta numa letra meio separada e às vezes meio junta: Vou dar 6,5 para vocês, mas eu sei que isso foi cópia porque vocês não têm capacidade de escrever uma coisa dessas.
Os Gnomos da Injustiça, que estavam presentes quando Ellen e Ana conceberam a história, também estavam por ali nesse momento. Pacientemente - como lhes era característico -, os Gnomos esperaram até as 11:05 (quando soou a campainha da troca de período).
Vilma recolheu suas coisas e caminhava em direção à porta; o quadro das frações, que estava ao lado do armário, caiu bem na frente dela; ela deixou a caixa de giz e todo o resto cair no chão e começou a rolar para o corredor (pois imaginem que tudo isso se passou em menos de um segundo, e foi seguido por outros dois segundos de silêncio na sala de aula e muitos minutos de algazarra).
Vilma, a egrégia Vilma, rolava como um balão ao vento. Breve estaria estatelada contra alguma parede. Quando levantasse, já não seria nunca mais chamada egrégia: uma marca a impediria de enganar quem quer que fosse dali por diante: todos saberiam que aquela era a marca que só a Pior Professora do Mundo poderia ter.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Horses

Quando eu era criança, escolhi um par de tênis porque tinha uma manada de cavalos na tampa da caixa. adorava cavalos; esperava todos os dias que um portal se abrisse no céu e que o Cavalo de Fogo viesse me buscar.
Não lembro sequer a cor dos tênis - se é que eram tênis mesmo. Da tampa, jamais esqueci.



ffffound!

terça-feira, 7 de julho de 2009

Carla

Quero ver Carla
quero andar como ela e
que ela olhe para mim com seus olhos miudinhos
Qual é mesmo a cor deles? verde, me parecem
mas são tão pequeninos
já nem sei mais

Que ela venha
descalça e altiva, sorrindo
tão linda como se nem soubesse o quanto o é
e fale qualquer coisa, a qualquer hora
com o mais belo dos sotaques:
a voz de fino veludo

Que ela afaste
dos pequeninos olhos a franja
sorrindo, um cigarro aceso entre os dedos
o olhar preso ao meu, nem que seja
por só um instante

Carla, linda Carla
existirá neste mundo criatura tão bela?
o mais lindo sorriso - e vive a sorrir
tão natural e suave:
uma rainha

quarta-feira, 10 de junho de 2009

(wo)man-made monster

Seria a ilustração perfeita para o post abaixo.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

trauma... always leaves a scar

O que alguém deve fazer para ser descrito pelas costas como um monstro doentio?
Não fingir simpatia já basta. não fingir que tem interesse pela chatice dos outros, terminar um assunto que já começou morno como xixi sem ressentimentos.
Como um monstro - foi assim que me descreveram.
Sou anti-social, quieta demais, esquisita demais, pareço séria demais, e tenho dificuldade para demonstrar afeto. mas eu sinto. Fui criada como um pedaço de madeira sob a chuva, fadado a apodrecer sozinho e sem compaixão. Apanhei dia após dia sem saber por que e mais de uma vez pensei que fosse morrer. mais de uma vez desejei morrer. mais de uma vez tentei morrer. Mas estou aqui, com tudo o que aprendi resistindo sozinha - para ouvir que sou vista como um monstro.
Por ser quieta demais?
Por ser esquisita demais?
Por parecer séria demais?
Eu tenho toda a dor de todos aqueles anos dentro de mim. Você pode superar alguma coisa, mas isso sempre vai estar guardado ali dentro e você vai lembrar. Ninguém sabe, porque não falo para ninguém. porque não é da conta de ninguém e não quero olhares repletos de piedade.
Alguém sabe quem sou eu? Claro que não.
Pois pensem que sou um monstro e que gosto de ser assim - é mais fácil. Afinal, caro Jack, você já tem probleminhas demais com sua paixão platônica adolescente. nossa, oh Jack, que problemão, oh que vida dura.

Eu estive pensando sobre isso no ônibus. Quase todas as pessoas que admiro têm alguma espécie de distúrbio: Devin é bipolar, Daniel G. é obsessivo. Nerds estudam Física.
É o preço. Para fazer alguma coisa que exija esforço intelectual, você tem que sacrificar alguma coisa. sua parte social. Isso não se escolhe: isso é imposto e você simplesmente agarra o que sobra: livros, videogame, seus pensamentos. é o que você faz quando cresce com a marca da rejeição, é o que resta fazer. E você cresce e te chamam de nerd, obsessivo, bipolar, monstro, e vão dizer que foi porque você quis ser assim.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Treasures






















ffffound!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eu, descoberta

A veneziana abriu com o vento - e isso é tudo o que ouço vindo lá de fora, o vento. É estranho como aqui o tempo parece não passar: pessoas, vento, pensamentos, tudo parece estar sempre ao acaso, mansamente acomodado na tranquilidade oriunda da mediocridade. Não dá nem vontade de caminhar pelas ruas, as sombras parecem não gostar das calçadas daqui.
E eu com isso?
Eu não sei. Amanheci de luto pela tomada de consciência que a noite me trouxe, calada pela vontade de não estar. sem vontade de falar, sem vontade de encarar. Tenho ao meu redor todos esses textos, o resumo de algo abominável e também adorável, que me faz sentir burra e comum. Não tenho vontade deles, mas também não tenho vontade de C. Lispector e suas maximizações dramáticas da tomada de consciência da mulher comum - sempre igual. já tenho a minha tomada de consciência, e basta.
Descobri há alguns dias que preciso escrever. preciso, mas não como obrigação - como a que tenho com esses textos, que abarrotam minha escrivaninha e forram meu caminho até a formatura no austero salão de atos da UFRGS -, preciso para ser completa, eu mesma. Ao descobrir que preciso escrever, instantaneamente senti uma desnecessidade de me preocupar com a aparência e a opinião alheia, um relaxamento como até então nunca havia experimentado ao longo desses meus anos de existência. o fim de uma agonia que há tempos aterrorizava e sufocava minha alma: a sapiência de que eu estava fora do meu caminho, de que estava em outro lugar a peça que faltava à minha integridade sentimental.
Descobri que precisava escrever.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A que ponto chegamos?

Aos que procuram coisas intrigantes, fofas e desnecessárias pela internet:

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sexta

Passei a tarde olhando as nuvens e o céu azul e o vento lá fora, olhando o pedaço do céu que consigo avistar por cima do muro através da janela. Passei a tarde querendo sair, querendo sair e caminhar com o vento, conversar como há tempos não converso. Escureceu e a lua cheia se impõe naturalmente no céu sem nuvens nem estrelas, e eu continuo aqui dentro, sentindo o vento que passa pelas frestas da janela e vendo um recorte da noite.
Meu sonho mais constante desde sempre é um campo com vários arbustos pequenos e uma grande árvore bem no meio... e a sensação que tenho é que pertenço àquele lugar. e vou passar a vida inteira procurando aquele lugar, onde eu vou me sentir inteira e toda a dor irá embora.
dor. Tenho dentro de mim tanta dor que já aceitei a impossibilidade de conviver sem isso. sei que sou melancólica e que vou passar boa parte da vida triste, que vou estar fazendo todos sorrirem e precisarem de mim e a dor vai estar ali o tempo todo sem ninguém sequer suspeitar. Não é uma questão de gostar ou de querer, mas de aceitar.
É sexta e tem lua cheia e eu quero saudá-la, vou me vestir e subir no muro para conversar com ela.
Segunda vou acordar e prometer a mim mesma novamente que não chegarei atrasada, mas tudo vai dar errado como sempre e vou chegar às 8:15. vou ligar o computador e prometer a mim mesma que não digitarei tudo bem? como foi o feriado? vou subir sabendo que vou, e a dor aqui dentro no fundo é a dor de uma criança que não quer atrapalhar, mas só quer um abraço e todos os abraços dos anos que passaram.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Sobre formigas e humanos

Eu estava no ônibus, por volta das 9 da noite, observando como sempre o movimento e as luzes de Porto Alegre. Na esquina da João Pessoa com a Ipiranga, um guri com cerca de 15 anos faz malabarismo com 3 bolas em frente aos carros parados na sinaleira; uma das bolinhas cai, ele abre um sorriso para o motorista e começa a caminhar ao lado do veículo a fim de recolher a bolinha caída. pensei que nesse momento o motorista abriria o vidro e daria sua contribuição ao garoto, ou que ao menos trocaria uma palavra com ele – não: nem ele, nem nenhum dos outros motoristas. O garoto voltou à calçada quando o sinal ficou verde, ainda sorridente.

Senti vontade de ir lá e conversar com ele, mas não fui. a mesma sensação que eu tinha quando era criança e queria  comprar e libertar todos os animais presos em pet shops e adotar os que estavam abandonados nas ruas; isso me dava um aperto no peito e me fazia chorar quase todas as noites. O que eu poderia fazer por todos aqueles bichos arrancados da selvageria para serem largados em meio ao caos? O que eu poderia fazer por aquele garoto? Não muito.

Não quero e nem pensei em direcionar estas linhas no sentido de uma "conscientização da realidade sócio-econômica brasileira" – que se ocupem disso os intelectuais das academias de ciências sociais e humanas, que adoram teorizar o caos e a realidade.

Voltei meu olhar para o interior do ônibus: todos com corpos e expressões cansadas, exauridas, como eu. todos os carros seguindo na pista, todas as pessoas caminhando na calçada, todo mundo daquele jeito. A imagem imediata que veio à minha cabeça foi a de um formigueiro (no sentido literal: formigas carregando pedaços de folhas de árvores nas costas). e a ironia disso. Fala-se em livre arbítrio, na inteligência com que foi agraciada a espécie humana; no fim, estamos tão atrelados à rotina e ao sistema quanto as formigas. Fazendo sempre as mesmas coisas, mudando hábitos aqui e ali, mas sempre vivendo do mesmo jeito.

Daí você abre um e-mail que lhe diz para "gostar do que faz": conforme-se e contente-se com a felicidade limitada. Temos que escolher algo de que gostemos o suficiente – seja por alguma facilidade, seja por falta de oportunidade, seja por pagar bem – o suficiente para que façamos e façamos isso pelo resto da vida. e devemos aceitar que não poderemos fazer o que quisermos quando quisermos, mas retardar isso e canalizar em forma de "hobby". Uma carreira, é assim que denominam isso, e é quase impossível fugir disso – aliás, esse é o curso natural das coisas. Quem vive aparte, alheio as preocupações abstratas geradas pela administração do sistema, é como o garoto da sinaleira, sorrindo ao ser ignorado pelas formigas operárias.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Enquanto alguém falava sobre a chamada “revisão conservadora”

Ele entrou na sala – na sala tão cheia de rostos tão vazios e descoloridos perdia-se tanto que reconhecia a si próprio apenas como ele. Aula de teorias que tentavam explicar os vazios e lhe auferir alguns por quês, pensou, e também pensou que poderia estar em casa bêbado no chão e no escuro. Perdeu-se em algum ponto entre a acomodação das elites cariocas e a relação das províncias enquanto o governo central com mão de ferro massacrava a todos. Estava frio. Ele olhava ao redor e percebeu, como nunca antes percebera, que toda a cor da sala concentrava-se num único ponto: as paredes eram bege, o piso era creme, as luminárias eram gelo: os únicos resquícios de cor estavam todos no quadro negro que era verde desbotado e empoeirado.
Estava caído e bêbado no chão escuro de casa, e era ele mesmo outra vez. De repente, ele olhou para o lado: ela estava ali, toda ela, bem ali.

Anotações gerais sobre tudo menos História da América II

Lá fora está tocando Lucy in the Sky with Diamonds. Tatuagens de listras em braços estão na moda. Uma cigarra entrou na sala. No canto do quadro está escrito formandos 2009 ou 2010 - Pantheon. O carioca veste uma camiseta vermelha com o guerreiro escrito em relevo nas costas. Não quero saber sobre as idéias de Fernando VII.

sábado, 21 de março de 2009

just in case

O problema é que eu imagino todas as conversas, as mais magníficas e sagazes falas para os meus personagens. Momentos-chave e de grande complexidade, onde tudo faz sentido e revigora a trama.
Mas a trama não existe, apenas esses momentos. A trama se forma instantaneamente em minha cabeça, os personagens e suas motivações - mas duram apenas o tempo desses momentos. Quando começo efetivamente a compor e transcrever a trama, sou tomada por uma sensação de desnecessariedade: a trama já está formada em minha cabeça, por que descrever cada detalhe novamente? - e é por isso que todas as conversas magníficas e sagazes nunca acontecem. Apenas eu mesma fico sabendo, tudo trancafiado dentro de mim: sempre fui uma péssima contadora de histórias.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Eldorado, besouro sem sobrenome

Era um besouro entre os cães, esse Eldorado. Eram muitos cães e Eldorado esperava rosnados e outras coisas mais violentas que cães fazem sem ter motivo. Qualquer movimento e todos o olhavam – era um besouro e muitos cães. É verdade que eram cães de comportamento muito refinado e muito caros, do tipo que obedece mesmo; mas eram cães e ele era um besouro, para todo o sempre desconfiaria das intenções da matilha. tinha certeza de que eles já tinham um plano tramado para o caso de os ventos mudarem de direção.

Ora, ele estava ali para prestar seus serviços, tinha um contrato assinado que garantia sua imunidade e assegurava um relacionamento completamente profissional entre ele e os cães. Eram bons cães! Recostou-se na cadeira e relaxou – eram bons cães. Olhou para o cão sentado na mesa à sua frente, o olhava e estava com o canino esquerdo de fora. Descuido, não era nada. Ele era Eldorado e tinha uma reputação magnífica o precedendo, por isso estava ali cumprindo um contrato vantajoso. Não tinha dado nenhum motivo para que os cães o tratassem de forma hostil e eram cães refinados. Bobagem era essa mania de perseguição: eram tempos modernos e civilizados, tudo era fruto de sua imaginação e sabia que os cães seriam incapazes de lhe fazer qualquer coisa.

Da carapaça tirou um copo branco de plástico, foi até o galão de água mineral e o encheu. Voltou com ele na mão, caminhando devagar – o copo estava bem cheio. O ruim de voltar devagar é que sempre se chama mais atenção do que gostaria, e aquele ambiente já era detestável normalmente: caminhar devagar só piorava tudo. Não precisava desviar o olhar do copo para saber que vários pares de olhos deveriam estar-lhe acompanhando a cada passo. Passou em frente à mesa de Robinfon o fuça comprida e sentiu um leve tremor percorrer-lhe o corpo e isso fez com que derramasse algumas gotas da água do copo no piso. Eldorado olhou para o piso e depois para Robinfon: Robinfon o olhava de volta. Ele ouviu, tinha certeza que ouviu um rosnado abafado vindo dele.

Hesitou durante alguns segundos, olhou para o copo. Robinfon o fuça comprida continuava acompanhando seus movimentos, apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre as duas patas para observá-lo mais atentamente. Num giro rápido de corpo inteiro, Eldorado aproveitou o embalo e jogou a água do copo toda na cara de Robinfon. O ambiente se aquietou; Robinfon passou a pata pela cara e prostrou-se sobre as quatro patas e avançou na direção do besouro. Eldorado fez e não sabia por que, e não sabia o que fazer agora. Sua carapaça se abriu: há tanto tempo não usava suas asas que até havia esquecido delas. Voou.

Olhou para trás quando já estava a uma altura segura: Robinfon o fuça comprida estapeava Esteta o seios fartos e o resto dos cães estava reunido em torno da cena fazendo grande alarido.

Eldorado voaria e faria apenas isso pelo resto da vida: tinha asas.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Cães na sexta-feira 13

Foi numa sexta-feira à tarde isso. O ambiente já estava calmo, clima de domingo no ar. Robinfon o fuça comprida espreitava por cima dos ombros dos companheiros à procura de uma notícia viva - era o mais algoz dentre os matadores de notícias: matava-as e corria com elas na boca, frescas, e enroscava-se por entre as pernas de seu humano como se estivesse no cio. assim estava Robinfon o fuça comprida; Esteta o seios fartos estava sentado em sua cadeira de rodinhas, rodando em torno de si mesmo para estimular o suor - É saudável pra emagrecer, dizia.
Um dos filhotes aparece na porta, olhos esbugalhados, arfando.
- Achei algo que pode ser útil... um pouco sujo de lama, sinto muitíssimo, mas já tava assim quando encontrei. - disse o filhote
- Oh, tome um biscoito, fofo filhote, pegue o biscoito - isso. Sente-se aqui do meu lado e conte-me tudo, oh sim, tudo! - falou Robinfon o fuça comprida
O filhote segurou o biscoito entre as patas e deixou cair um envelope no chão. Robinfon o fuça comprida o recolheu e cheirou.
- Hum, sim sim, ainda está fresco, fresquíssimo! - constatou Robinfon o fuça comprida
Ao ouvir isso, Esteta o seios fartos parou de girar em torno de si na cadeira de rodinhas e se aproximou um pouco mais do filhote, assim: o filhote sentado numa cadeira, entretido com o biscoito, Robinfon o fuça comprida de pé em frente ao filhote, com as duas patas unidas em frente ao peito, e Esteta o seios fartos ao lado esquerdo de Robinfon o fuça comprida, em sua cadeira de rodinhas.
- Mas ora, veja só isto, veja Esteta: temos aqui alguém perfeito para o próximo sacrifício. - disse Robinfon o fuça comprida
- Deixa pra mim ver aqui, passa isso pra mim que eu quero! - falou Esteta o seios fartos, e num movimento incrivelmente ágil para o seu tamanho abocanhou o envelope
Robinfon o fuça comprida deu uma patada na orelha de Esteta o seios fartos e gritou:
- Seu porco rechonchudo, seu monstrinho, isto aqui não é uma tigela de lavagem e não há motivo para tanta euforia! Olhe só o que aconteceu, seu vermezinho!
Esteta o seios fartos havia ficado com um pedaço do envelope na boca, cuspiu-o. Voltou para a cadeira de rodinhas.
- Muito bem, acalme-se - isso. Vejamos o que diz aqui: - falou Robinfon o fuça comprida, já recomposto em seus modos dignos e refinados - aqui diz, é uma prova explícita na verdade, a prova de que alguém cometeu um erro. Oh!
- Erro erro erro! Delícia! - disse Esteta o seios fartos e voltou a girar na cadeira de rodinhas
- Eu vou, Esteta, eu vou: fique aqui e apenas observe. - falou Robinfon o fuça comprida
Com o envelope na boca, Robinfon o fuça comprida caminhou mansamente até a porta do humano e pôs-se a arranhá-la. A porta foi aberta. Esfregou-se por entre as pernas do humano e deixou cair o envelope a seus pés. O humano leu atentamente os dizeres contidos no envelope e ao final disso encostou gentilmente a ponta do indicador na fuça de Robinfon o fuça comprida.
E Robinfon o fuça comprida voltou para o meio dos seus: mais uma vez, achara alguém que pudesse ser sacrificado no lugar dos seus ou dele mesmo. Ao menos por enquanto estavam expurgados, não seria dessa vez que pagariam o preço pela vida de cães que escolheram levar.

Autumn


















Autumn - Jacek Yerka

The room farm



















The room farm - Jacek Yerka

The epitaphy


















The epitaphy - Jacek Yerka

Midsummer night's dream
















Midsummer night's dream - Jacek Yerka

Between heaven and hell















Between heaven and hell - Jacek Yerka

terça-feira, 10 de março de 2009

Ao meu redor

Essa gente, essa gente toda ao meu redor... falando, ruminando picuinhas e vomitando a vida ali no ralo. Falam todos ao mesmo tempo, cada qual com sua fala - a mais importante.
Do meio da cacofonia, um grita:
- Acho horrível mulher de unha curta!
E outro:
- Meu crachá rachou bem na cara, estragou minha foto, estragou minha foto!, preciso de um novo! - sem saber que um novo crachá não mudaria nada: morrerá com a alma estragada.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Cães

Pague um bom salário a alguém. É praticamente infalível. Melhor: junte um bando, dê a cada um deles uma mesa com telefone e computador com internet, dê-lhes uma torta ao final de cada mês e um aperto de mão no dia do aniversário.
Eles serão seus, comprados e com recibinho e tudo. O dono, Dono com letra maiúscula. Dono de seu tempo, de seu amor-próprio.
Eles serão seus e se sentirão felizes em chamar sua atenção.
Cães. Com maços de ordens de serviço na boca ao invés de bolinhas de borracha, cães.
Eles serão fiéis e vigiarão o resto da matilha por você, ficarão à espreita: ao farejar o menor sinal de revolta, correrão e se esfregarão por entre suas pernas com a notícia ainda viva e fresca na boca.
Afague-os então, diga-lhes o quanto é gratificante poder contar com criaturas assim, tão obedientes. Eles se aninharão a seus pés e ali ficarão durante o tempo que você quiser. Eles o idolatrarão, será para eles mais que os outros, mais que humano, um semi-deus. Um humano entre os cães.