quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

sobre egoísmo

- Não acredito nem vou acreditar que tu deixou de ser egoísta. - ela me disse, e isso ficou em minha cabeça desde então - há sete dias.
Será que deixei mesmo de ser egoísta? Eu achava que sim, mas ela duvidava - por que duvidava? Será que sou egoísta e enganei a mim mesmo acreditando que havia deixado de ser? eram as perguntas que eu me fazia desde que ela havia dito.
E eu, que tinha certeza, não sabia mais responder. Era bonito dizer que havia deixado de ser e acreditar, mas ela era importante demais para que eu desconsiderasse sua opinião e não ficasse em dúvida. Será que ela me acharia egoísta se soubesse o quanto é importante? nunca disse isso. E me arrependo por não ter dito, por não ter dito isso e tudo que não admiti. Preciso dela, e preciso dizer tudo que nunca disse. disse tudo que não devia - isso sim eu disse - e nem sequer era verdade: a verdade é tudo que nunca disse. Procurei tudo que estava a meu alcance para machucá-la, e nunca ao menos pedi desculpas direito. Ela foi embora e agora eu preciso. Será que perdemos o egoísmo quando admitimos que precisamos de alguém? eu me sinto sozinho. E a culpava tanto, enquanto ela esteve sempre ao meu lado; mas eu achava que a culpa era dela por estar sempre ao meu lado.
Alone.
Pensei que ela não iria embora, que não conseguiria: esteve aqui por tanto tempo. Nunca tentei me colocar em seu lugar - quanta mágoa teria guardado? Sequer demonstrava. estava sempre tentando me alegrar, fazia o máximo. e fui eu que comecei todas as brigas. Se eu tivesse admitido, se tivesse desviado a atenção de mim mesmo, teria percebido que ela não merecia passar por tudo isso. Lembro do dia em que ela saiu por aquela porta e não voltou - sempre achei que voltaria na mesma semana, que ela precisava de mim. Sempre fui eu quem precisou. Quando percebi que ela não voltaria, preenchi minha vida com tudo que podia trocar por felicidade. Enjoei de todo o plástico que acumulei, fazia tudo e tudo era nada.
Esperei por muito tempo uma ligação dela pedindo para me ver. sentei em frente à porta por onde ela saiu e fiquei aguardando com a certeza entre as mãos. Perdi a conta de quantos anos se passaram até que me desse conta de que ela não voltaria. A via voltando, com o vestido azul-claro e os cabelos negros compridos e soltos. miragem; mas eu continuava alerta à espera - sempre esperei por ela, mas nunca fui capaz de descer do meu próprio ego.
Lembro que uma única vez vi toda a tristeza em seus olhos: quando ela disse que estava partindo. Pensei que estava triste por estar indo para longe de mim, mas hoje sei que seus olhos sempre foram tristes - ela sorria como se estivesse feliz. E eu nunca perguntei como se sentia. Ela sempre deixou claro o quanto precisava de mim, devo tê-la feito sofrer muito para que resolvesse ir embora e não voltar.
Mandei-lhe uma carta datilografada e cheia de formalidades, perguntando por notícias. na semana seguinte ela apareceu em minha porta. Tomou um chá comigo e contou que era dona de uma banca de revistas e três poodles. Seus olhos eram opacos, seus gestos frios e delicados. Cordial e distante. Os cabelos curtos e mais claros. Disse-lhe que havia feito muitas coisas durante todo aquele tempo, que tinha todas as variedades de plástico disponíveis e que sabia que um dia já havia sido egoísta mas não era mais.
- Não acredito nem vou acreditar que tu deixou de ser egoísta.
Achei um absurdo ela falar comigo daquele jeito, ela não sabia - esteve longe durante tanto tempo. Fiz questão de demonstrar o quanto ficara ofendido, e ela se despediu com olhos frios e cordiais.
Eu poderia ter dito o que precisava ser. eu a havia matado por dentro quando poderia tê-la salvo.
Acreditei que ela voltaria, e agora me sinto mais só. Choro tudo que não chorei, sozinho sobre o mármore acinzentado;
ela se foi.