segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Toma e te aquieta, Monstro do Pântano

J: Só sei que eu comi aquela lasanha depois de ter bebido demais, deitei na cama e logo levantei pra vomitar. 10 segundos depois que botei tudo pra fora já me sentia bem melhor.
E: Mas tu não bebeu tanto assim.
J: É que vocês são acostumados a beber bem mais, eu quase nunca bebo.
E: Não, o problema não foi com o vinho. É que tu misturou com aquele conhaque, aquele conhaque tava horrível.
R: Ah, tu tomou aquele conhaque? Eu só fingi!
E: Tu fingiu? Eu também fingi hahahahahaha Mas sério: coisa ruim desse tipo não dá pra misturar se tu acha que vai te fazer mal, tem que fingir.

sábado, 26 de setembro de 2009

again today

and if you fall along the way, and people start to stare
i'll grab my mask, put on my cape, and soon i will be there

for you... hey, i'm so sorry again today
and hey, for you, i'll be sorry tomorrow, too

okay? okay? let's be sorry everyday


K. Moore

one of these days

i'm going to cut you into little pieces, Anita



Desculpe, Anita. Eu deveria simplesmente ir embora e nunca mais voltar - você nunca dirá nada, sequer notará. sou só mais um cara patético como todos aqueles caras da parada de ônibus.
Desculpe.

i knew i could forget you
that's what i'm gonna do
now i'm staring at a stop sign
just like the last time*


(*) K. Moore

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Freak e idiotão

- Não guria, mas deixa só eu te contar o que ele me disse: ele olhou bem pra minha cara e disse que achava que tava perdendo tempo, daí eu disse: pois quem tá perdendo tempo...
- Ah, olha lá aquele cara de novo.
- Quem, o Gian?
- Não, aquele lá ó.
- Não sei quem é. Daí eu disse assim pra ele: eu acho que se tem alguém que tá perdendo com esse namoro sou eu, e ele pegou e...
- Peraí, eu só preciso falar uma coisa.
- Ai, fala logo então porque eu quero terminar pra te dizer o que aconteceu depois - tu nem sabe, ele ficou com a cara no chão, guria, no chão!
- Dá uma olhada pra ver se aquele cara tá olhando.
- Aquele que tu me mostrou antes?
- É.
- Sei lá, parece que não. ele sentou lá adiante.
- Olha só, eu acho que esse cara é meio maluco.
- Como assim maluco, Anita?
- Sei lá guria, ele é muito estranho. Às vezes eu até acho que ele me persegue, parece um desses freaks de filme de suspense.
- Ai credo, guria! Que horror!
- Bah, nem me fala. Sei lá, pode ser só impressão minha, mas com essas coisas eu não me engano, por deus que não me engano!
- Eu sei, eu lembro aquela vez que eu ia ficar com o Roger e tu disse que não era - lembra o que aconteceu? Olha aqui: só de lembrar já tô toda arrepiada!
- Esse cara é meu colega na cadeira de terça, aquela que tu não faz comigo. acho que é América III.
- É.
- Ai guria, sei lá, ele ficava me olhando de um jeito estranho, me deu até medo. E tenho a impressão de que ele me persegue, sabe? em todo lugar que eu vou, ele tá. Sei lá, pode ser coisa da minha cabeça.
- Mas esses negócios de intuição tem que levar a sério, não dá pra brincar com essas coisas. Olha aqui: tu me falou isso e me arrepiei de novo!
- E o pior de tudo é que esse cara parece muito chato, ele é todo errado. Ai, tudo que é gente desse tipo sempre se gruda em mim, parece macumba!
- Ai pára guria hahahahahahahahahahahahahahahahahahaha
- hahahahahaha
- Essa foi boa hahahahahahhaha
- hehehehehehehehehe
- Ah, mas sei lá: tenta não dar bola pra ele e talvez ele pára. É só mais um idiotão desses, ele parece meio nerd também. Deixa ele pra lá.
- É, vai ver ele é um dos meus admiradores secretos hahahahahahahahahahahahahahaha
- hahahahahahahahahahahahaahahahahahahahahahahahaha
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
- hahahahahaha ai Anita, hoje tu tá hilária!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

beyond the pale

this is not who i wanted to be,
this is not what i wanted to see
she's so young so why don't i feel free now that she is here under me?


D. Gildenlöw

Anita?

Entrei na sala e sentei na parede ao lado da janela. Naquela proposta de aulas participativas e essas coisas - tudo aquilo que ensinaram ao jovem doutorzinho A. nas cadeiras da FACED quando então ele era apenas um garoto com as ambições chatas e comuns de qualquer graduando deslumbrado com a Academia - essas coisas que eu não suporto. Para que todos pudessem participar adequadamente da aula participativa que A. planejara, pediu que a turma sentasse em U.
Mal havia me acomodado, Anita entrou na sala. prendi a respiração por alguns poucos segundos: ela ainda causava esse impacto, vários dias haviam se passado e eu pensei que nunca mais me sentiria assim outra vez. mas foi só ela aparecer na minha frente e tudo voltou a ser como era. Ela sentou junto à parede do outro lado da sala, quase em frente a mim.
tudo que eu havia pensado todas as vezes que a amaldiçoei e pensei tudo de pior que poderia pensar dela todos os dias que passei sem pensar nela todas as vezes que desejei nunca mais vê-la
e bastava ela entrar na sala para eu perceber que nada mudou.
patético como sou, deveria mesmo ter imaginado. Guria do inferno. eu não queria nada disso. Inferno.
A aula começou e interrompeu minha depreciativa linha de pensamento.
não vou olhar pra ela não vou não vou e não vou olhar vou prestar atenção na aula e só e não vou nem olhar pro outro lado da sala
Bem que tentei prestar atenção na aula, mas bastaram poucos minutos para que o tédio começasse a me tentar. Virei-me na cadeira para conseguir pegar o caderninho na mochila, e na virada tive a impressão de ter visto ela olhando em minha direção.
NÃO vou olhar foi só impressão deixa assim não vou olhar NÃO vou
Rabisquei qualquer coisa no caderninho. caneta na mão direita esquerda e direita de novo. traços bobos, cubos no topo da página. Comecei a escrever alguma coisa qualquer, mas os colegas que sentavam ao meu lado também estavam entediados e lançavam olhares furtivos sobre meus garranchos. fechei o caderno e desisti.
Olhei para o teto, e sim: Anita me observava. o esboço de um sorriso no canto da boca - devia ter alguma coisa errada na minha cara. Comecei a ficar inquieto com aquilo; já não suporto quando qualquer outra pessoa olha para mim e agora ela estava ali olhando, ela que nunca antes havia sequer notado minha existência.
Fui até o banheiro e examinei atentamente meu rosto no espelho: normal e sem-graça como sempre. Entrei na sala e caminhei até o lugar em que estava sentado. não olhei na direção de Anita, mas cada passo meu parecia ser em câmera lenta e a cada palmo percorrido eu sentia que aqueles olhos azuis me observavam.
Pois bem, Anita: o que você quer?
Sentei, cruzei a perna esquerda sobre a direita e olhei direto para ela - ela me olhava de volta, o sorriso no canto da boca.
Estaria sorrindo para mim ou estaria rindo da minha cara e do meu jeito patético?
achou engraçada minha franja? meu óculos é feio? minha cara é redonda demais? meu tênis é tosco? me acha idiota? me acha comum? achou ridículo listrado e xadrez juntos? gostou da minha franja? me acha idiota? me acha feio demais? pode ser
O que você quer, Anita?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Francesca

Aos 22 anos, Francesca Woodman cometeu suicídio. mas legou ao mundo centenas de fotos e vídeos que deixavam transparecer toda sua inquietação e agonia.




quinta-feira, 17 de setembro de 2009

E aqueles pornôs que tu tem gravado?

- Eu assisto mesmo é pelos bigodes, ah aqueles bigodes que se usava naquela época! Hoje em dia tu não vê mais, mas eu continuo usando, sempre usei só bigode. Um dia quando a mulher ainda era viva ela me disse: - Experimenta deixar toda a barba pra ver como é que fica, Glauco, acho que combina mais contigo. e eu disse pra ela que eu nunca na vida tinha usado barba cheia nem nunca ia usar, e que não chegaria o dia em que ela me veria com a barba cheia! Eu é que não me metia nos negócio de cabelo dela, ela vivia com aquele cabelo que era um carnaval só, toda semana uma cor diferente. Tu acredita que um dia ela me apareceu loira em casa? mas olha, loira assim quase branca bem alemoa, mas ela era morena do pêlo durogrosso porque tinha mistura com índio, e me apareceu desse jeito e ainda com permanente nos cabelo. E eu disse pra ela que não tinha ficado bonito porque eu achava que era uma coisa que tinha que se dizer. Isso era naquela época da Madonna, lembra? eu lembro que começaram tudo a querer pintar o cabelo que nem o da Madonna e ir na ginástica, mas a mulher hein? vou te contar que bicho mais esquisito: teimava, teimava e naquele dia que eu disse isso do cabelo ainda se emburrou e ficou emburrada mais uns dois dias eu tô te dizendo. Mas sabe que eu gostava bastante dela, tem até um quadro pintado de quando a gente se casou pendurado ali em cima da tevê, ela até que era bem bonita quando era nova. Ela era um bicho assim esquisito né mas eu tinha me acostumado com ela e senti bastante falta quando ela morreu. De noitezinha ela sempre sentava comigo na área e tomava umas cuia de chimarrão, agora eu já não tenho mais com quem conversar, essa gente nova de hoje parece que já não gosta de conversar tô te dizendo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Lá está o rapaz que chamam de gênio

Este não é meu: quem escreveu foi meu amigo Monstro do Pântano. Gosto das coisas que ele escreve, e gostei muito deste: por isso está aqui.


Lá está o rapaz que chamam de gênio. Veja como se porta. O olhar abafado pelas ruminações atemporais – eu
precisava duma frase assim. Afinal, o que é um olhar abafado? O que são ruminações atemporais? O rapaz que chamam de gênio sabe. Ele olha enigmaticamente a todos e enxovalha as primeiras bocetinhas. Lá está aquele...gênio! Sim oh sim é genial que rapaz que têmporas que palavras muito bem colocadas e como escreve bem o gênio. Ele não precisa de argumentos – é um gênio. Está, está muito bem acentuado em seus traços psicológicos tal genialidade. A forma com que ele dá o primeiro passo ao entrar na sala... que estilo! Gênio! Oh são tão raros homens como ele, que rapaz espirituoso. Um olhar afetado que diz mais do que parece dizer mas menos do que queríamos que dissesse. E que modos tão estranhos – mas nele que é gênio fica tudo muito bem. A timidez dos gênios como ele casa (ai, casa!) com a incompatibilidade de espírito ao social. Sempre entrando de sopetão nas conversas e... dizendo abstrações ou sutilezas que resumem uma conversa. Ai, gênio, gênio! Parabéns, você é um gênio. E sabe o que mais gosto nos gênios? A segurança e proteção que deles emana. Porque eles sabem mais que nós – são gênios, são inalcançáveis, maiores que nós; é isso que a sociedade está procurando: o que é maior que o racional.

Cuidado! Olha, vê como te porta. O gênio está vindo aí, quero que preste muita atenção nele porque você precisa de um gênio pra acalentar teu instinto maternal, Geórgia.

- Olá, mestre Derrotadinho, como vai?

- Olá senhor Gênio! Vou muito bem, aliás excelentemente bem. Como vai o senhor?

- Obrigado por perguntar... mas... eh, bem, a vida tem dessas que nós, ah... sabes o que.

- Oh sim, sim! Como se não soubesse, se não soubesse. Sabe senhor, muito lhe admiro. Aquilo... aquilo que o senhor me disse, aquele conselho valioso, bem, como não poderia ser menos enigmático e genial aquilo que dissestes! Tenho em vossa...vossa...ai esqueci de conjugar o vós...vossa...vossa...ai, desculpa gênio. Desculpa. Não posso continuar a frase se não sei conjugar o vós.

- Não há o que se desculpar. Mas não seja comunista, viu? Há idade pra tudo. Pra tudo! Você acha que eu cairia nesse papinho? Fique... fique esperto. Não se apegue a paixões nem valores que o ridicularizem depois, numa luta que ninguém dá um tostão e aí... aí.... ai, mestre Derrotadinho. Aí serás gênio!

- Gênio... gênio... quero... ser... gênio.

- Mas não se esqueça de ligar todo dia às 20h pra sua namorada e dar a ela saborosas satisfações. Faz parte do esquema dos gênios: somos invulneráveis. Somos austeros. Somos incorruptíveis. Somos bem crescidinhos – damos proteção. Damos tudo, tudo! Gênios ah gênios! Trabalhamos, estudamos, lemos, indicamos autores, ditamos regras de comportamento social e falamos o que há para ser ignorado (por exemplo, não vá à FACED) – gênios! Mas... não se esqueça de ligar... de deixar um recado à namorada e avisar onde estamos. É importante aos gênios (não conte a ninguém).

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gatos mortos pelo caminho

Eu queria - queria muito ouvir Chroma Key. Desde ontem tenho pensado nisso, mas tudo o que tenho está ali no computador que estragou.
- Ei Ellen, use a internet, a interneeet!
- Oh deus, obrigada.

- Agora vá na missa.
- Mas já agradeci!
- É por isso, filha, que teu computador estraga tanto! ha ha HA HA

Em breve ouvirei; mas nada disso tem a ver com o que eu pretendia escrever. só que ouvir Moore cantando "i feel like an astronaut in a submarine" resume um monte de coisas.

Na noite de sábado para domingo eu sonhei de novo. Sonhei que tinha apanhado como nunca apanhei, que era eu hoje - não criança -, mas apanhei como nunca na vida. O pior não eram os machucados, isso acostuma. era ela e aquela boca. Tudo o que eu queria era que ela calasse a boca, que parasse de dizer as coisas malditas, gritando, espumando, repetindo e repetindo sem parar tudo o que de pior pudesse existir para se dizer. Eu tentava falar, tentava fazer ela parar com aquilo, mas ela só gritava.
Era assim. Por algum tempo eu tinha esquecido disso e dos gritos, mas o pesadelo me fez lembrar do desespero, da raiva.
De todas as pessoas que conheci, ela é a pior de todas. e é minha mãe.
Hush now baby, baby, dont you cry.
Mother's gonna make all your nightmares come true.
Mother's gonna put all her fears into you.
Mother's gonna keep you right here under her wing.
She wont let you fly, but she might let you sing.
Mama will keep baby cozy and warm.
Ooooh baby ooooh baby oooooh baby,
Of course mama'll help to build the wall.

Eu não tenho ódio. Um dia meu caro amigo R. perguntou como eu ainda falava com ela. Eu não falo: deixo ela falar, todos os seus graves e mesmos problemas, um a um, tudo isso ela fala sempre.
(quando comecei a trabalhar e fui obrigada a aprender a lidar melhor com pessoas, descobri que quase sempre basta deixá-las falar. você diz qualquer coisa: "semana corrida pra ti, né?" e ela vai falar sem parar de como a semana está sendo difícil. isso dá certo com a grande maioria, porque quase todo mundo adora falar e ainda mais se for sobre si próprio. mas existem alguns que não falam, que sabem o valor de salvar do vazio as preciosas palavras.)
É sempre a mesma coisa, uma fórmula repetida que para sempre irá funcionar. Sei que ela não se importa. Quando eu tinha uns 13 anos, ouvi meu pai dizer que ela não queria ter esses filhos e que nunca gostou deles. eles: eu e meu irmão. Mas eu já sabia. Ela não se importa e não se preocupa, não quer saber da minha vida. De algum jeito eu sobrevivi e cheguei à conclusão de que ela é uma pobre psicopata doente, que acredita que todos a admiram e que é bela e irresistível.
Tudo o que sinto é nada. nada de afeto. raiva, revolta: nada.
Os anos passaram e só agradeço por ser tão parecida com meu pai. Mas eu o amava tanto quando eu era pequena... e ele me deixou. Será que ele não via? Pai, você não vinha me salvar. Eu corria para a porta quando você chegava, mas você não via. Sim, minha garganta dói e eu choro agora, porque eu lembro. Onde você estava quando eu quase desmaiava, espancada e sem poder chorar? Você não me via, pai? Eu era apenas uma criança, eu e meu irmãozinho que nem aprendeu a falar, e você nos deixou. Nos trancou para dentro de casa com ela e foi embora. Você nunca conversou comigo, mas eu vejo em seu olhar o quanto se arrepende. De alguma forma, sei que somos parecidos e que você é bom. Ela queria que eu fosse uma bonequinha, que eu fosse como ela, mas eu sou que nem você. Você nunca me abraçou quando eu precisei, pai, nem me abraçou sem precisar.
Eu amava os gatos, eles conversavam comigo e me amavam. Eu gostava do mato, de subir nas árvores e ficar lá sozinha. Eles chegavam e ficavam comigo quando eu precisava e sempre.
Há alguns dias meu pai me contou que minha mãe mandava matar meus gatos. O tempo passa e vejo cada vez mais a pessoa horrível, a pior do mundo; o medo que eu sentia ficou para trás, com todos aqueles anos enterrados.
Eu os teria protegido, se soubesse, teria protegido meu irmãozinho, se soubesse. mas eu não sabia proteger sequer a mim mesma, eu era tão pequena e tinha tanto medo.
Todos aqueles gatos que me amaram e morreram por me amar, eu os amava tanto. Sou o que sou porque eles me amaram.

domingo, 13 de setembro de 2009

Uma valsa na cozinha

E lá estava aquele cara, aquele senhor gordo com óculos de aro preto e grosso na cara rechonchuda. Esperem: aquele senhor de tão farta papada, tão austera postura, vai fazer alguma coisa: vejamos:
- Jovem? - disse aquele senhor rechonchudo.
- Pois não?
- Este não é o prato que eu pedi, veja só: eu pedi para aquele outro moço de cabelo encaracolado - não, foi para você mesmo: você é o moço de cabelo encaracolado! - eu pedi uma porção de pato vietnamita ao molho de alcaparras agridoces.
- Bom, deve... deve ter havido algum engano. Só um momento.
O garçom recolheu o prato da mesa e o equilibrou pomposamente até a cozinha.
- Gabriel, o cara da mesa 17 disse que não pediu isso.
- Foi então tu que anotou errado, meu. Eu só faço o que tá anotado nos bilhetes.
- Então tu fez é confusão, porque eu não sou estúpido a ponto de não anotar o que o cara me fala na cara!
- Mas então quem fez a confusão toda e pediu errado foi o cara.
- Tá tá, que seja. Faz aí um outro negócio antes que ele vá embora.
- Eh... mas o erro foi dele.
- QUE SEJA, PUTO!
- Vai xingar tua mãe, ô idiota de merda. E fala duma vez aí o que o tal cara quer.
- O pato.
- Com alcaparras?
- Tem outro?
- Qual é o teu problema hoje, ô puta?
- Tá: faz aí o negócio que daqui a pouco eu venho pegar.
O garçom de cabelos encaracolados chegou até a mesa do senhor gordo de óculos.
- Peço desculpas, senhor. Houve um erro na cozinha, mas daqui a alguns minutos estarei lhe trazendo seu pato.
- Só espero que não demore mais outra meia hora, já quase perdi a fome.
- Não, senhor: daqui a pouco ele estará aqui. Com licença.
O garçom se retirou.
- Olha, George, não vou te esperar pra começar a comer.
- Come, come. depois não entra nos vestido e fica por aí choramingando que tá gorda.
- Ohhhhh George, tu me disse que eu não tinha engordado! Seu monstro!
- Come aí e te aquieta, que eu tenho fome e tô irritado.
Mafalda pensou em falar alguma coisa, espernear e ir embora. mas George é que pagava tudo e o único que sabia dirigir, então... começou a comer.
O garçom de cabelos encaracolados foi novamente até a cozinha.
- E aí meu, tá pronto isso aí?
- Quase, mais uns três minutos.
- Então eu faço um break e fico por aqui mesmo.
- O que que o cara falou?
- Ah não falou nada, essa gente aí nunca fala nada.
- E o que que tu falou pro cara?
- Ah eu inventei lá, falei lá que a gente pedia desculpa e essas coisas.
- Eh sei, daí a culpa é sempre da cozinha, aposto que tu deu a culpa pra cozinha.
- Tá meu, não é assim. Que que tu tem hoje, tá precisando dar pra te acalmar?
- Mas é uma putinha mesmo, sorte tua que eu sou calmo até demais.
- É, tá bom.
- Pega aqui, tá pronto.
O garçom levou o prato até a mesa de George. Mafalda já comia sua sobremesa.
- Já era hora!
- Mais uma vez, desculpe pela demora e pelo engano, senhor. Tenha uma boa refeição.
George, satisfeito com toda a glória que poderia lhe proporcionar a sensação do reconhecimento de uma certeza, garfou cada pedaço do pato de maneira solene e altiva.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Anita

Cortinas vermelhas e encardidas deixavam transparecer o movimento da rua: o sol de inverno ainda estava alto lá fora. O quarto era pequeno: uma cama de casal espremida contra a janela ao lado de um criado-mudo com um copo d'água em cima, e as cortinas vermelhas.
A porta estava encostada; ele estava ali em pé desde o momento que entrara no quarto - deveria sentar na cama? deveria tirar a roupa? poderia tomar a água? Não, ficaria ali, de pé e vestido e com as mãos no bolso.
Não sabia o que esperar nem o que fazer. Alguém entraria pela porta, alguma moça. Que ao menos fosse um pouco bonita, então. mas fosse bonita quanto pudesse ser, a mais bonita de todas daquele lugar e da cidade inteira, não seria ela. Teria olhos azuis? poderia ter, mas não seriam os olhos dela, não seria ela nem nada dela - mas tudo o que queria era que fosse ela a entrar pela porta dentro de alguns instantes, não por aquela porta e naquele quarto com cheiro de suor e quarto fechado, mas que em outro lugar ela entrasse e olhasse para ele com aqueles olhos azuis e ficasse ali com ele e o quisesse.
Anita.
Tinha aqueles olhos azuis lindos e tristes, tanta coisa ele sabia e ela nem fazia idéia. Será que o odiava, o achava tolo, o ignorava propositalmente? Não sabia o que pensar sobre nada, devia ser apenas mais um idiota de 22 anos que agora estava ali e pensava nela.
22 anos e estava ali: um perfeito idiota
Não conseguiria fazer nada; que fosse logo embora, então. Aproximou-se da porta, agarrou a maçaneta e saiu. Uma mulher sardenta e com algumas dobras na cintura e cara de 30 anos passou por ele no final da escadaria - estaria indo para o quarto onde ele esteve? Fez bem em ter saído.
Caminhava pela rua e continuava com as mãos no bolso. o sol estava quente demais para um dia de inverno. Por que ela o ignorava? Uma pedra perfeita na beira da calçada: começou a chutá-la e depois chutou com força e atingiu a perna esquerda da garotinha que caminhava lá na frente.
Anita.
Sentia uma dor no peito só de pensar no nome dela, pensava nela e pensava naqueles olhos azuis tão claros e tristes. se ela nunca o tivesse olhado naquele dia em que ele olhou fundo nos olhos dela não estaria ali nem se sentiria o maior idiota dentre todos os caras de 22 anos.
Ainda naquela manhã cruzara com ela antes que a aula começasse, ela estava sempre com alguém e sempre passava e não o via. ou ignorava. Será que ela percebeu que ele sempre sentava atrás dela no ônibus?
Cerrou os punhos com força, as unhas machucando a palma das mãos. por uma garota, tudo por uma garota sobre a qual ele sabia tanto e não sabia nem como. e ela o ignorava - talvez até odiasse.
As classes sociais, o populismo e tudo o que todo o resto do mundo tinha para se preocupar, e ele só pensava nela. Tantas vezes a viu sozinha no ônibus, sentada na janela; sabia exatamente o que falar. e passava reto, sentava no banco de trás e ela nem o via.
I know someday you'll have a beautiful life,
I know you'll be a star in somebody else's sky,
But why,
why,
why can't it be,
can't it be mine
?
era o que mais pensava nos últimos dois meses, dessas coisas que caem como uma luva. Passava as noites bêbado e até chorava. e tinha 22 anos e era patético - bem poderia se chamar Jeremy.
Mas ela era dessas garotas do tipo que a gente nunca teria chance e ama em silêncio e desespero. daquelas que a gente lembra pelo resto da vida.