segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Gatos mortos pelo caminho

Eu queria - queria muito ouvir Chroma Key. Desde ontem tenho pensado nisso, mas tudo o que tenho está ali no computador que estragou.
- Ei Ellen, use a internet, a interneeet!
- Oh deus, obrigada.

- Agora vá na missa.
- Mas já agradeci!
- É por isso, filha, que teu computador estraga tanto! ha ha HA HA

Em breve ouvirei; mas nada disso tem a ver com o que eu pretendia escrever. só que ouvir Moore cantando "i feel like an astronaut in a submarine" resume um monte de coisas.

Na noite de sábado para domingo eu sonhei de novo. Sonhei que tinha apanhado como nunca apanhei, que era eu hoje - não criança -, mas apanhei como nunca na vida. O pior não eram os machucados, isso acostuma. era ela e aquela boca. Tudo o que eu queria era que ela calasse a boca, que parasse de dizer as coisas malditas, gritando, espumando, repetindo e repetindo sem parar tudo o que de pior pudesse existir para se dizer. Eu tentava falar, tentava fazer ela parar com aquilo, mas ela só gritava.
Era assim. Por algum tempo eu tinha esquecido disso e dos gritos, mas o pesadelo me fez lembrar do desespero, da raiva.
De todas as pessoas que conheci, ela é a pior de todas. e é minha mãe.
Hush now baby, baby, dont you cry.
Mother's gonna make all your nightmares come true.
Mother's gonna put all her fears into you.
Mother's gonna keep you right here under her wing.
She wont let you fly, but she might let you sing.
Mama will keep baby cozy and warm.
Ooooh baby ooooh baby oooooh baby,
Of course mama'll help to build the wall.

Eu não tenho ódio. Um dia meu caro amigo R. perguntou como eu ainda falava com ela. Eu não falo: deixo ela falar, todos os seus graves e mesmos problemas, um a um, tudo isso ela fala sempre.
(quando comecei a trabalhar e fui obrigada a aprender a lidar melhor com pessoas, descobri que quase sempre basta deixá-las falar. você diz qualquer coisa: "semana corrida pra ti, né?" e ela vai falar sem parar de como a semana está sendo difícil. isso dá certo com a grande maioria, porque quase todo mundo adora falar e ainda mais se for sobre si próprio. mas existem alguns que não falam, que sabem o valor de salvar do vazio as preciosas palavras.)
É sempre a mesma coisa, uma fórmula repetida que para sempre irá funcionar. Sei que ela não se importa. Quando eu tinha uns 13 anos, ouvi meu pai dizer que ela não queria ter esses filhos e que nunca gostou deles. eles: eu e meu irmão. Mas eu já sabia. Ela não se importa e não se preocupa, não quer saber da minha vida. De algum jeito eu sobrevivi e cheguei à conclusão de que ela é uma pobre psicopata doente, que acredita que todos a admiram e que é bela e irresistível.
Tudo o que sinto é nada. nada de afeto. raiva, revolta: nada.
Os anos passaram e só agradeço por ser tão parecida com meu pai. Mas eu o amava tanto quando eu era pequena... e ele me deixou. Será que ele não via? Pai, você não vinha me salvar. Eu corria para a porta quando você chegava, mas você não via. Sim, minha garganta dói e eu choro agora, porque eu lembro. Onde você estava quando eu quase desmaiava, espancada e sem poder chorar? Você não me via, pai? Eu era apenas uma criança, eu e meu irmãozinho que nem aprendeu a falar, e você nos deixou. Nos trancou para dentro de casa com ela e foi embora. Você nunca conversou comigo, mas eu vejo em seu olhar o quanto se arrepende. De alguma forma, sei que somos parecidos e que você é bom. Ela queria que eu fosse uma bonequinha, que eu fosse como ela, mas eu sou que nem você. Você nunca me abraçou quando eu precisei, pai, nem me abraçou sem precisar.
Eu amava os gatos, eles conversavam comigo e me amavam. Eu gostava do mato, de subir nas árvores e ficar lá sozinha. Eles chegavam e ficavam comigo quando eu precisava e sempre.
Há alguns dias meu pai me contou que minha mãe mandava matar meus gatos. O tempo passa e vejo cada vez mais a pessoa horrível, a pior do mundo; o medo que eu sentia ficou para trás, com todos aqueles anos enterrados.
Eu os teria protegido, se soubesse, teria protegido meu irmãozinho, se soubesse. mas eu não sabia proteger sequer a mim mesma, eu era tão pequena e tinha tanto medo.
Todos aqueles gatos que me amaram e morreram por me amar, eu os amava tanto. Sou o que sou porque eles me amaram.