segunda-feira, 30 de março de 2009

Sobre formigas e humanos

Eu estava no ônibus, por volta das 9 da noite, observando como sempre o movimento e as luzes de Porto Alegre. Na esquina da João Pessoa com a Ipiranga, um guri com cerca de 15 anos faz malabarismo com 3 bolas em frente aos carros parados na sinaleira; uma das bolinhas cai, ele abre um sorriso para o motorista e começa a caminhar ao lado do veículo a fim de recolher a bolinha caída. pensei que nesse momento o motorista abriria o vidro e daria sua contribuição ao garoto, ou que ao menos trocaria uma palavra com ele – não: nem ele, nem nenhum dos outros motoristas. O garoto voltou à calçada quando o sinal ficou verde, ainda sorridente.

Senti vontade de ir lá e conversar com ele, mas não fui. a mesma sensação que eu tinha quando era criança e queria  comprar e libertar todos os animais presos em pet shops e adotar os que estavam abandonados nas ruas; isso me dava um aperto no peito e me fazia chorar quase todas as noites. O que eu poderia fazer por todos aqueles bichos arrancados da selvageria para serem largados em meio ao caos? O que eu poderia fazer por aquele garoto? Não muito.

Não quero e nem pensei em direcionar estas linhas no sentido de uma "conscientização da realidade sócio-econômica brasileira" – que se ocupem disso os intelectuais das academias de ciências sociais e humanas, que adoram teorizar o caos e a realidade.

Voltei meu olhar para o interior do ônibus: todos com corpos e expressões cansadas, exauridas, como eu. todos os carros seguindo na pista, todas as pessoas caminhando na calçada, todo mundo daquele jeito. A imagem imediata que veio à minha cabeça foi a de um formigueiro (no sentido literal: formigas carregando pedaços de folhas de árvores nas costas). e a ironia disso. Fala-se em livre arbítrio, na inteligência com que foi agraciada a espécie humana; no fim, estamos tão atrelados à rotina e ao sistema quanto as formigas. Fazendo sempre as mesmas coisas, mudando hábitos aqui e ali, mas sempre vivendo do mesmo jeito.

Daí você abre um e-mail que lhe diz para "gostar do que faz": conforme-se e contente-se com a felicidade limitada. Temos que escolher algo de que gostemos o suficiente – seja por alguma facilidade, seja por falta de oportunidade, seja por pagar bem – o suficiente para que façamos e façamos isso pelo resto da vida. e devemos aceitar que não poderemos fazer o que quisermos quando quisermos, mas retardar isso e canalizar em forma de "hobby". Uma carreira, é assim que denominam isso, e é quase impossível fugir disso – aliás, esse é o curso natural das coisas. Quem vive aparte, alheio as preocupações abstratas geradas pela administração do sistema, é como o garoto da sinaleira, sorrindo ao ser ignorado pelas formigas operárias.