quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A tartaruga de pedra

Que eu fui uma criança tímida e solitária, os poucos que me conhecem sabem. E sempre me apaixonei instantaneamente por coisas um tanto exóticas e em geral inanimadas: foi assim com o conjunto de 3 mini-mini coelhinhos de biscuit que ganhei no aniversário de 8 anos, foi assim com o burrinho de madeira que era controlado através de uma mola, e foi assim com o mega prendedor de roupa com a honrada inscrição "Mulher do Ano" escrita à caneta num pedaço de fita crepe.
Pois bem: quando eu tinha uns 4 ou 5 anos, me apaixonei por uma tartaruga de pedra que vi na casa da minha vizinha. Media cerca de 10 centímetros e era verde bem claro - tudo o que lembro. Mas fiquei imaginando durante dias como seria maravilhoso ter uma tartaruga como aquela, todas as coisas fantásticas que poderia fazer com uma tartaruga como aquela.
Algumas semanas depois, essa vizinha (que devia ter uns 7 anos) se juntou com uma amiguinha numa grudenta tarde de verão e resolveu vender as coisas da casa numa feirinha. Expuseram as quinquilharias numa mesa, no pátio em frente à casa, e saíram à cata do primeiro freguês. E o primeiro freguês, por uma vil coincidência - ou por sadismo desenfreado, o que comecei a suspeitar depois de uma vida de vis coincidências relacionadas à tal vizinha - o primeiro freguês fui eu.
De longe avistei a tartaruga de pedra, verde e soberana em meio a todas as miudezas surripiadas da casa na ausência da mãe. Meu coração batia mais forte.
- Quanto tá aquela tartaruga verdinha ali? - imaginava que devia custar uma fortuna; era ainda na época do CR$, eu não sabia contar o dinheiro e todos aqueles zeros me apavoravam.
Entreolharam-se e foram cochichar atrás dum arbusto. Voltaram poucos segundos depois, e anunciaram o preço com a maior sobriedade. Fui correndo pra casa e implorei pra que minha mãe deixasse eu comprar a tartaruga; depois de muita insistência, voltei pra lá radiante, com a nota devidamente dobrada e segura entre as mãos.
Parei na frente da mesa e estendi a nota.
- Olha, a gente não quer mais te vender a tartaruga - e começaram a rir.
Senti que ia começar a chorar e saí correndo pra me esconder. Pensei na tartaruga durante muitas semanas, até aceitar que ela jamais poderia me fazer companhia.

Alguns meses depois, acompanhei minha mãe pra fazer não-lembro-o-que na vizinha. No chão da garagem, perto das bicicletas, estava jogada a tartaruga de pedra, já sem cabeça e com apenas 2 patas.