quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O posto (parte 1)

Nasceu um dia cinza e feio.
Mais uma vez, Bibiana se arrastou até a parada e chegou a tempo de avistar a traseira do ônibus lá adiante, na outra esquina. Ok, não era novidade. Enfiou a mão na bolsa e catou o espelhinho; posicionou-o em frente ao rosto: o corretivo já não dava mais conta das olheiras. Ok, também não era novidade.
Acendeu um cigarro e sentou no murinho atrás da parada. A calça já fora branca, mas amarelada como estava não faria diferença mesmo. Aliás, nada fazia diferença: um cigarro a mais, uma trepada a mais, um atraso a mais, um dia a mais. Tinha 26 anos, um emprego de merda no escritório de um posto de gasolina falido, um periquito esverdeado que parecia ser mudo, um apartamento alugado com piso de carpete e uma samambaia, um cigarro aceso entre os dedos na maior parte do tempo.
Por vezes, passeava entre as bombas enquanto fumava, rolando comentários carregados de tédio na direção dos frentistas. É, gasolina. Mas não fazia diferença; a gasolina era tão adulterada que nem pra isso servia. O dono do posto nunca aparecia por lá: era só ela, Joacir (velho e apático demais pra se importar) e Pépe. Nos dias de maior marasmo, ela e Pépe se trancavam no banheiro por alguns minutos; reapareciam suados e vermelhos, com o mesmo semblante entediado.

Pépe era descendente de mãe boliviana e pai mexicano que mudaram para o Brasil com perspectivas de melhorar de vida. O pai trabalhava em outro estado, era cortador de cana. A mãe, grávida, acreditava piamente que esperava uma menina.
No dia do parto, mandou uma carta pro esposo e disse que a menina estava pra nascer a qualquer momento. Pediu a ele que registrasse a criança assim que possível, pois seria brasileira e teria carta de identidade e aprenderia a ler e escrever. Escolheu o nome logo que a barriga começou a crescer: Penélope.
Quando o pai conheceu a criança, 7 meses depois, o estrago já estava feito.
E era por isso que Pépe era conhecido apenas como Pépe. Não aprendeu a ler nem escrever, mas foi classificado por Bibiana como "uma boa trepada, até".