quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

cavalo e velha

na noite verão
inferno Porto Alegre
velha sentou na sacadAvenida
e contou aos carros
uma história
que ninguém ouviu

achei tudo nessa vida
encontrei o que não pedi
achei o que não devia
e pensei se a cidade pararia
se gritasse aos que vão lá embaixo
“sei o que procuram!”

soubessem o que procuram - e parariam?
soubessem o que acham - continuariam?

a língua se criou pra que fantasmas nos falem
sirenes são alívio a quem está morrendo
e se há vida aqui dentro
por que ajuda é de fora?

gritaria para a cidade que tem alguém me vendo
que tem alguém vindo me ver
que tem alguém vindo me ver
mas não tenho voz nem ninguém
e seria só mais um na cidade gritando

senhor, deixe meus cavalos!
eu comprei sapatos amarelos
porque sonhei com cavalos que corriam na caixa
e os sapatos vão me levar embora daqui,
então deixe meus cavalos
minha vida que começa com

moço estes são meus cavalos
você nem os quis
só quer porque quer
porque você nem quis saber
mas veja bem: não sou a pessoa certa
e preciso dos cavalos,
você não

posso não ter tido a vida leve
nem por isso me joguei
e tenho cavalos mais honestos que o senhor
veja
que tudo não é apenas coincidência
pois já estive aqui antes;
o senhor não é a pessoa certa
veja
com que letra começa a palavra
vida começa com a letra da palavra
começa com vi
veja aqui,
vida aqui: veja!

eu só vim na sacada
já estava tudo assim
mas ninguém ouviu,
e a velha ria
eles continuavam
ela gritava
ninguém ouvia
e ninguém via
e como iam!
a velha ria:
aonde poderiam ir sem ver nem ouvir?