quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Anita?
Mal havia me acomodado, Anita entrou na sala. prendi a respiração por alguns poucos segundos: ela ainda causava esse impacto, vários dias haviam se passado e eu pensei que nunca mais me sentiria assim outra vez. mas foi só ela aparecer na minha frente e tudo voltou a ser como era. Ela sentou junto à parede do outro lado da sala, quase em frente a mim.
tudo que eu havia pensado todas as vezes que a amaldiçoei e pensei tudo de pior que poderia pensar dela todos os dias que passei sem pensar nela todas as vezes que desejei nunca mais vê-la
e bastava ela entrar na sala para eu perceber que nada mudou.
patético como sou, deveria mesmo ter imaginado. Guria do inferno. eu não queria nada disso. Inferno.
A aula começou e interrompeu minha depreciativa linha de pensamento.
não vou olhar pra ela não vou não vou e não vou olhar vou prestar atenção na aula e só e não vou nem olhar pro outro lado da sala
Bem que tentei prestar atenção na aula, mas bastaram poucos minutos para que o tédio começasse a me tentar. Virei-me na cadeira para conseguir pegar o caderninho na mochila, e na virada tive a impressão de ter visto ela olhando em minha direção.
NÃO vou olhar foi só impressão deixa assim não vou olhar NÃO vou
Rabisquei qualquer coisa no caderninho. caneta na mão direita esquerda e direita de novo. traços bobos, cubos no topo da página. Comecei a escrever alguma coisa qualquer, mas os colegas que sentavam ao meu lado também estavam entediados e lançavam olhares furtivos sobre meus garranchos. fechei o caderno e desisti.
Olhei para o teto, e sim: Anita me observava. o esboço de um sorriso no canto da boca - devia ter alguma coisa errada na minha cara. Comecei a ficar inquieto com aquilo; já não suporto quando qualquer outra pessoa olha para mim e agora ela estava ali olhando, ela que nunca antes havia sequer notado minha existência.
Fui até o banheiro e examinei atentamente meu rosto no espelho: normal e sem-graça como sempre. Entrei na sala e caminhei até o lugar em que estava sentado. não olhei na direção de Anita, mas cada passo meu parecia ser em câmera lenta e a cada palmo percorrido eu sentia que aqueles olhos azuis me observavam.
Pois bem, Anita: o que você quer?
Sentei, cruzei a perna esquerda sobre a direita e olhei direto para ela - ela me olhava de volta, o sorriso no canto da boca.
Estaria sorrindo para mim ou estaria rindo da minha cara e do meu jeito patético?
achou engraçada minha franja? meu óculos é feio? minha cara é redonda demais? meu tênis é tosco? me acha idiota? me acha comum? achou ridículo listrado e xadrez juntos? gostou da minha franja? me acha idiota? me acha feio demais? pode ser
O que você quer, Anita?
terça-feira, 22 de setembro de 2009
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
E aqueles pornôs que tu tem gravado?
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Lá está o rapaz que chamam de gênio
Lá está o rapaz que chamam de gênio. Veja como se porta. O olhar abafado pelas ruminações atemporais – eu precisava duma frase assim. Afinal, o que é um olhar abafado? O que são ruminações atemporais? O rapaz que chamam de gênio sabe. Ele olha enigmaticamente a todos e enxovalha as primeiras bocetinhas. Lá está aquele...gênio! Sim oh sim é genial que rapaz que têmporas que palavras muito bem colocadas e como escreve bem o gênio. Ele não precisa de argumentos – é um gênio. Está, está muito bem acentuado em seus traços psicológicos tal genialidade. A forma com que ele dá o primeiro passo ao entrar na sala... que estilo! Gênio! Oh são tão raros homens como ele, que rapaz espirituoso. Um olhar afetado que diz mais do que parece dizer mas menos do que queríamos que dissesse. E que modos tão estranhos – mas nele que é gênio fica tudo muito bem. A timidez dos gênios como ele casa (ai, casa!) com a incompatibilidade de espírito ao social. Sempre entrando de sopetão nas conversas e... dizendo abstrações ou sutilezas que resumem uma conversa. Ai, gênio, gênio! Parabéns, você é um gênio. E sabe o que mais gosto nos gênios? A segurança e proteção que deles emana. Porque eles sabem mais que nós – são gênios, são inalcançáveis, maiores que nós; é isso que a sociedade está procurando: o que é maior que o racional.
Cuidado! Olha, vê como te porta. O gênio está vindo aí, quero que preste muita atenção nele porque você precisa de um gênio pra acalentar teu instinto maternal, Geórgia.
- Olá, mestre Derrotadinho, como vai?
- Olá senhor Gênio! Vou muito bem, aliás excelentemente bem. Como vai o senhor?
- Obrigado por perguntar... mas... eh, bem, a vida tem dessas que nós, ah... sabes o que.
- Oh sim, sim! Como se não soubesse, se não soubesse. Sabe senhor, muito lhe admiro. Aquilo... aquilo que o senhor me disse, aquele conselho valioso, bem, como não poderia ser menos enigmático e genial aquilo que dissestes! Tenho em vossa...vossa...ai esqueci de conjugar o vós...vossa...vossa...ai, desculpa gênio. Desculpa. Não posso continuar a frase se não sei conjugar o vós.
- Não há o que se desculpar. Mas não seja comunista, viu? Há idade pra tudo. Pra tudo! Você acha que eu cairia nesse papinho? Fique... fique esperto. Não se apegue a paixões nem valores que o ridicularizem depois, numa luta que ninguém dá um tostão e aí... aí.... ai, mestre Derrotadinho. Aí serás gênio!
- Gênio... gênio... quero... ser... gênio.
- Mas não se esqueça de ligar todo dia às 20h pra sua namorada e dar a ela saborosas satisfações. Faz parte do esquema dos gênios: somos invulneráveis. Somos austeros. Somos incorruptíveis. Somos bem crescidinhos – damos proteção. Damos tudo, tudo! Gênios ah gênios! Trabalhamos, estudamos, lemos, indicamos autores, ditamos regras de comportamento social e falamos o que há para ser ignorado (por exemplo, não vá à FACED) – gênios! Mas... não se esqueça de ligar... de deixar um recado à namorada e avisar onde estamos. É importante aos gênios (não conte a ninguém).
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
Gatos mortos pelo caminho
- Ei Ellen, use a internet, a interneeet!
- Oh deus, obrigada.
- Agora vá na missa.
- Mas já agradeci!
- É por isso, filha, que teu computador estraga tanto! ha ha HA HA
Em breve ouvirei; mas nada disso tem a ver com o que eu pretendia escrever. só que ouvir Moore cantando "i feel like an astronaut in a submarine" resume um monte de coisas.
Na noite de sábado para domingo eu sonhei de novo. Sonhei que tinha apanhado como nunca apanhei, que era eu hoje - não criança -, mas apanhei como nunca na vida. O pior não eram os machucados, isso acostuma. era ela e aquela boca. Tudo o que eu queria era que ela calasse a boca, que parasse de dizer as coisas malditas, gritando, espumando, repetindo e repetindo sem parar tudo o que de pior pudesse existir para se dizer. Eu tentava falar, tentava fazer ela parar com aquilo, mas ela só gritava.
Era assim. Por algum tempo eu tinha esquecido disso e dos gritos, mas o pesadelo me fez lembrar do desespero, da raiva.
De todas as pessoas que conheci, ela é a pior de todas. e é minha mãe.
Hush now baby, baby, dont you cry.
Mother's gonna make all your nightmares come true.
Mother's gonna put all her fears into you.
Mother's gonna keep you right here under her wing.
She wont let you fly, but she might let you sing.
Mama will keep baby cozy and warm.
Ooooh baby ooooh baby oooooh baby,
Of course mama'll help to build the wall.
Eu não tenho ódio. Um dia meu caro amigo R. perguntou como eu ainda falava com ela. Eu não falo: deixo ela falar, todos os seus graves e mesmos problemas, um a um, tudo isso ela fala sempre.
(quando comecei a trabalhar e fui obrigada a aprender a lidar melhor com pessoas, descobri que quase sempre basta deixá-las falar. você diz qualquer coisa: "semana corrida pra ti, né?" e ela vai falar sem parar de como a semana está sendo difícil. isso dá certo com a grande maioria, porque quase todo mundo adora falar e ainda mais se for sobre si próprio. mas existem alguns que não falam, que sabem o valor de salvar do vazio as preciosas palavras.)
É sempre a mesma coisa, uma fórmula repetida que para sempre irá funcionar. Sei que ela não se importa. Quando eu tinha uns 13 anos, ouvi meu pai dizer que ela não queria ter esses filhos e que nunca gostou deles. eles: eu e meu irmão. Mas eu já sabia. Ela não se importa e não se preocupa, não quer saber da minha vida. De algum jeito eu sobrevivi e cheguei à conclusão de que ela é uma pobre psicopata doente, que acredita que todos a admiram e que é bela e irresistível.
Tudo o que sinto é nada. nada de afeto. raiva, revolta: nada.
Os anos passaram e só agradeço por ser tão parecida com meu pai. Mas eu o amava tanto quando eu era pequena... e ele me deixou. Será que ele não via? Pai, você não vinha me salvar. Eu corria para a porta quando você chegava, mas você não via. Sim, minha garganta dói e eu choro agora, porque eu lembro. Onde você estava quando eu quase desmaiava, espancada e sem poder chorar? Você não me via, pai? Eu era apenas uma criança, eu e meu irmãozinho que nem aprendeu a falar, e você nos deixou. Nos trancou para dentro de casa com ela e foi embora. Você nunca conversou comigo, mas eu vejo em seu olhar o quanto se arrepende. De alguma forma, sei que somos parecidos e que você é bom. Ela queria que eu fosse uma bonequinha, que eu fosse como ela, mas eu sou que nem você. Você nunca me abraçou quando eu precisei, pai, nem me abraçou sem precisar.
Eu amava os gatos, eles conversavam comigo e me amavam. Eu gostava do mato, de subir nas árvores e ficar lá sozinha. Eles chegavam e ficavam comigo quando eu precisava e sempre.
Há alguns dias meu pai me contou que minha mãe mandava matar meus gatos. O tempo passa e vejo cada vez mais a pessoa horrível, a pior do mundo; o medo que eu sentia ficou para trás, com todos aqueles anos enterrados.
Eu os teria protegido, se soubesse, teria protegido meu irmãozinho, se soubesse. mas eu não sabia proteger sequer a mim mesma, eu era tão pequena e tinha tanto medo.
Todos aqueles gatos que me amaram e morreram por me amar, eu os amava tanto. Sou o que sou porque eles me amaram.
domingo, 13 de setembro de 2009
Uma valsa na cozinha
- Jovem? - disse aquele senhor rechonchudo.
- Pois não?
- Este não é o prato que eu pedi, veja só: eu pedi para aquele outro moço de cabelo encaracolado - não, foi para você mesmo: você é o moço de cabelo encaracolado! - eu pedi uma porção de pato vietnamita ao molho de alcaparras agridoces.
- Bom, deve... deve ter havido algum engano. Só um momento.
O garçom recolheu o prato da mesa e o equilibrou pomposamente até a cozinha.
- Gabriel, o cara da mesa 17 disse que não pediu isso.
- Foi então tu que anotou errado, meu. Eu só faço o que tá anotado nos bilhetes.
- Então tu fez é confusão, porque eu não sou estúpido a ponto de não anotar o que o cara me fala na cara!
- Mas então quem fez a confusão toda e pediu errado foi o cara.
- Tá tá, que seja. Faz aí um outro negócio antes que ele vá embora.
- Eh... mas o erro foi dele.
- QUE SEJA, PUTO!
- Vai xingar tua mãe, ô idiota de merda. E fala duma vez aí o que o tal cara quer.
- O pato.
- Com alcaparras?
- Tem outro?
- Qual é o teu problema hoje, ô puta?
- Tá: faz aí o negócio que daqui a pouco eu venho pegar.
O garçom de cabelos encaracolados chegou até a mesa do senhor gordo de óculos.
- Peço desculpas, senhor. Houve um erro na cozinha, mas daqui a alguns minutos estarei lhe trazendo seu pato.
- Só espero que não demore mais outra meia hora, já quase perdi a fome.
- Não, senhor: daqui a pouco ele estará aqui. Com licença.
O garçom se retirou.
- Olha, George, não vou te esperar pra começar a comer.
- Come, come. depois não entra nos vestido e fica por aí choramingando que tá gorda.
- Ohhhhh George, tu me disse que eu não tinha engordado! Seu monstro!
- Come aí e te aquieta, que eu tenho fome e tô irritado.
Mafalda pensou em falar alguma coisa, espernear e ir embora. mas George é que pagava tudo e o único que sabia dirigir, então... começou a comer.
O garçom de cabelos encaracolados foi novamente até a cozinha.
- E aí meu, tá pronto isso aí?
- Quase, mais uns três minutos.
- Então eu faço um break e fico por aqui mesmo.
- O que que o cara falou?
- Ah não falou nada, essa gente aí nunca fala nada.
- E o que que tu falou pro cara?
- Ah eu inventei lá, falei lá que a gente pedia desculpa e essas coisas.
- Eh sei, daí a culpa é sempre da cozinha, aposto que tu deu a culpa pra cozinha.
- Tá meu, não é assim. Que que tu tem hoje, tá precisando dar pra te acalmar?
- Mas é uma putinha mesmo, sorte tua que eu sou calmo até demais.
- É, tá bom.
- Pega aqui, tá pronto.
O garçom levou o prato até a mesa de George. Mafalda já comia sua sobremesa.
- Já era hora!
- Mais uma vez, desculpe pela demora e pelo engano, senhor. Tenha uma boa refeição.
George, satisfeito com toda a glória que poderia lhe proporcionar a sensação do reconhecimento de uma certeza, garfou cada pedaço do pato de maneira solene e altiva.
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Anita
A porta estava encostada; ele estava ali em pé desde o momento que entrara no quarto - deveria sentar na cama? deveria tirar a roupa? poderia tomar a água? Não, ficaria ali, de pé e vestido e com as mãos no bolso.
Não sabia o que esperar nem o que fazer. Alguém entraria pela porta, alguma moça. Que ao menos fosse um pouco bonita, então. mas fosse bonita quanto pudesse ser, a mais bonita de todas daquele lugar e da cidade inteira, não seria ela. Teria olhos azuis? poderia ter, mas não seriam os olhos dela, não seria ela nem nada dela - mas tudo o que queria era que fosse ela a entrar pela porta dentro de alguns instantes, não por aquela porta e naquele quarto com cheiro de suor e quarto fechado, mas que em outro lugar ela entrasse e olhasse para ele com aqueles olhos azuis e ficasse ali com ele e o quisesse.
Anita.
Tinha aqueles olhos azuis lindos e tristes, tanta coisa ele sabia e ela nem fazia idéia. Será que o odiava, o achava tolo, o ignorava propositalmente? Não sabia o que pensar sobre nada, devia ser apenas mais um idiota de 22 anos que agora estava ali e pensava nela.
22 anos e estava ali: um perfeito idiota
Não conseguiria fazer nada; que fosse logo embora, então. Aproximou-se da porta, agarrou a maçaneta e saiu. Uma mulher sardenta e com algumas dobras na cintura e cara de 30 anos passou por ele no final da escadaria - estaria indo para o quarto onde ele esteve? Fez bem em ter saído.
Caminhava pela rua e continuava com as mãos no bolso. o sol estava quente demais para um dia de inverno. Por que ela o ignorava? Uma pedra perfeita na beira da calçada: começou a chutá-la e depois chutou com força e atingiu a perna esquerda da garotinha que caminhava lá na frente.
Anita.
Sentia uma dor no peito só de pensar no nome dela, pensava nela e pensava naqueles olhos azuis tão claros e tristes. se ela nunca o tivesse olhado naquele dia em que ele olhou fundo nos olhos dela não estaria ali nem se sentiria o maior idiota dentre todos os caras de 22 anos.
Ainda naquela manhã cruzara com ela antes que a aula começasse, ela estava sempre com alguém e sempre passava e não o via. ou ignorava. Será que ela percebeu que ele sempre sentava atrás dela no ônibus?
Cerrou os punhos com força, as unhas machucando a palma das mãos. por uma garota, tudo por uma garota sobre a qual ele sabia tanto e não sabia nem como. e ela o ignorava - talvez até odiasse.
As classes sociais, o populismo e tudo o que todo o resto do mundo tinha para se preocupar, e ele só pensava nela. Tantas vezes a viu sozinha no ônibus, sentada na janela; sabia exatamente o que falar. e passava reto, sentava no banco de trás e ela nem o via.
I know someday you'll have a beautiful life,
I know you'll be a star in somebody else's sky,
But why,
why,
why can't it be,
can't it be mine?
era o que mais pensava nos últimos dois meses, dessas coisas que caem como uma luva. Passava as noites bêbado e até chorava. e tinha 22 anos e era patético - bem poderia se chamar Jeremy.
Mas ela era dessas garotas do tipo que a gente nunca teria chance e ama em silêncio e desespero. daquelas que a gente lembra pelo resto da vida.
domingo, 30 de agosto de 2009
Hollow
Don't he remember us?
Can't he believe me?
We seemed like bothers
Talked for hours last month
About what we wanna be
I sit now with his hand in mine
But I know he can't feel...
No one knows
What's done is done
It's as if he were dead
I'm close with his mother
And she cries endlessly
Lord how we miss him
At least what's remembered
It's so important to make best friends in life
But it's hard when my friend sits with blank expressions
No one knows
What's done is done
It's as if he were dead
He as hollow as I alone now
He as hollow as I alone
A shell of my friend
Just flesh and bone
There's no soul
He sees no love
I shake my fists at skies above
Mad at God
He as hollow as I converse
I wish he'd waken from this curse
Hear my words before it's through
I want to come in after you
My best friend
He as hollow as I alone
porque Pantera é algo que tive vontade de ouvir hoje - e só então me dei conta de quanto tempo fazia que eu não ouvia. É estranho, porque foi o que eu mais ouvi durante o período mais conturbado da minha vida; foi quase só o que ouvi durante uns três anos. A melodia de "Hollow" é a última coisa de que lembro antes de apagar por não sei quanto tempo e acordar numa cama de hospital sem conseguir me mexer (e essa lembrança que nunca me abandonou sequer serviu para me impedir de pensar em não tentar de novo. dois anos depois seria ainda pior. e admito que ainda penso, mas talvez não tenha mais a mesma coragem que tinha sete anos atrás.) Nunca gostei muito de baladas, mas Pantera tem aquelas que doem de tão sinceras - perdi a conta de quantas vezes tive vontade de chorar ouvindo "Floods", porque eu também queria apenas ser levada embora junto com a água, simples assim. (ei, leitores imaginários: ouçam "The Great Southern Trendkill", ignorem algumas letras ofensivas, e terão o CD mais agressivo e depressivo que eu já ouvi.)
Ontem, durante uma conversa de horas e dores, meu melhor amigo me falou sobre "Mad Season", e hoje me deparei com isso: Above, do Mad Season, é o disco certo para ouvir em um dia de chuva, enquanto se escreve uma carta suicida. that's the kind of thing that completely breaks me. Semana passada mencionei Kafka num dia, e no outro teria uma conversa sobre ele completamente ao acaso; e só então eu sentiria vontade de lê-lo.
Talvez tudo isso já tenha passado do ponto da simples coincidência.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Pateticamente falando
Não gosto de contar e medir conhecimento - mas o que fazer? Na minha boca isso soa falso porque não gosto de falar sobre mim, gosto que os outros falem e que eu fique só ali. Mas por que eu falo?
Poucas são as pessoas com quem gosto de conversar, daí eu falo e falo num dia desses. demais e demais tudo errado e sem sentido. Peço desculpas, não quis assustar. Mas veja, estou ouvindo Alice in Chains - se é que isso pode significar alguma coisa. mas é grunge e é nisso que penso agora.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
K. de Kafka ou de que?
(nunca li nada de Kafka mas pretendo algum dia, talvez, pode ser que eu até leia. mas sei por algum motivo que ele criou um personagem chamado K., que eu roubei apenas para este título e nada mais quero com essa consoante agora.)
Roger Waters me lembra alguém.
Ao ver alguns vídeos dele ao lado de Syd, sinto que naquela época ele parecia feliz como uma criança - aquele tipo de empolgação que vemos em pouquíssimas pessoas ao longo da vida, aquelas que fazem sua luz brilhar nos outros.
É fácil teorizar sobre quem não conhecemos nem nunca vamos, mas é que Roger Waters me lembra alguém. de inúmeras formas.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
egrégia Professora Vilma Charneca Emblema
Entrou na sala, tão redonda que alguns chegavam a supor que se tropeçasse sairia rolando de encontro à parede à sua frente.
- Peguem aí uma folha do bloco e escolham alguém pra fazer dupla com vocês. - falou Vilma
A profe tá nos azeites hoje - teria dito Ellen se estivesse em outra época e outro lugar e outra história, mas ao invés disso disse:
- Tu vem até aqui, Ana? Aqui no canto é melhor eu acho...
- Aham.
Ana arrastou a mesa até a parede direita da sala. as janelas ficavam ao fundo.
- Vocês vão escrever uma redação sobre qualquer tema. Tem que ter no mínimo 15 linhas, e é pra entregar hoje.
Alguém que Ellen não soube exatamente quem era só pela voz falou:
- Ai que saco: 15 linhas!
- Parem de reclamar, vocês podem escrever sobre o que quiserem, se continuarem reclamando vão ter menos tempo. E anotem aí uma nova característica que vocês vão aprender hoje: egrégia. e-gré-gi-a, com g. Pra praticarem, escrevam aí no bloco antes do meu nome, assim: egrégia Professora Vilma - com v, não com w - Charneca Emblema.
Barulho de cadeiras e mesas sendo empurradas, uns pedindo folha de bloco emprestada.
- Igreja, profe? - perguntou Igor
- Não: e-gré-gi-a. Atenção agora, todo mundo! vou escrever aqui no quadro, ó: e... gré... gi... a. Antes de Professora.
- O que isso significa?
- Procurem no dicionário, tem um monte lá na biblioteca. Se vocês tiverem preguiça, pensem na professora e no que poderia representar essa palavra. Comecem a fazer a redação, não vou aceitar nenhuma na próxima aula. e podem fazer a lápis também.
Ana pegou na mochila o bloco e começou a preencher o cabeçalho.
- Já tem alguma idéia? - falou
- Não... e tu? - disse Ellen
- Também não. Que dia é hoje?
- 27, eu acho. Peraí! A gente tá em julho, né? depois vem setembro ou agosto?
- Peraí: é sete, oito... agosto!
- Eu acho que esse é o mês do cachorro louco, eu - eu tive uma idéia, olha só: dava pra escrever sobre um cachorro com aquela doença que eles se babam tudo e ficam maluco
- raiva?
- é, raiva, e ele invade uma casa e no final ele morre porque descobrem que ele é do mal! Que que tu acha?
- Daí ele podia morder alguém e virar lobisomem!
- Ele virar lobisomem? nossa, ia ficar muito fera! Mas eu acho que não ia dar tempo de terminar hoje.
- É mesmo... então o cachorro morre e deu.
Ellen pegou o bloco e começou a escrever. Às 9:07, já estava com o texto pronto e o entregava à professora.
- Será que a gente vai bem? Fui meio mal naquele ditado esses dias... - falou Ana
- Bem - não sei, mas mal acho que não.
Passaram-se umas 23 horas, a mesma sala, os mesmos uniformes: será que ela tropeçaria e sairia rolando até a parede?
- Muito bem, prestem atenção: se vocês fizerem silêncio eu entrego as redações no começo da aula. - disse Vilma
Quando o nome da dupla foi chamado, Ana foi até a mesa da professora para buscar a folha. Sentou-se de volta em sua mesa e foi conferir o resultado junto com Ellen. Abaixo do texto, estava escrito de caneta preta numa letra meio separada e às vezes meio junta: Vou dar 6,5 para vocês, mas eu sei que isso foi cópia porque vocês não têm capacidade de escrever uma coisa dessas.
Os Gnomos da Injustiça, que estavam presentes quando Ellen e Ana conceberam a história, também estavam por ali nesse momento. Pacientemente - como lhes era característico -, os Gnomos esperaram até as 11:05 (quando soou a campainha da troca de período).
Vilma recolheu suas coisas e caminhava em direção à porta; o quadro das frações, que estava ao lado do armário, caiu bem na frente dela; ela deixou a caixa de giz e todo o resto cair no chão e começou a rolar para o corredor (pois imaginem que tudo isso se passou em menos de um segundo, e foi seguido por outros dois segundos de silêncio na sala de aula e muitos minutos de algazarra).
Vilma, a egrégia Vilma, rolava como um balão ao vento. Breve estaria estatelada contra alguma parede. Quando levantasse, já não seria nunca mais chamada egrégia: uma marca a impediria de enganar quem quer que fosse dali por diante: todos saberiam que aquela era a marca que só a Pior Professora do Mundo poderia ter.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Horses
Não lembro sequer a cor dos tênis - se é que eram tênis mesmo. Da tampa, jamais esqueci.

ffffound!
terça-feira, 7 de julho de 2009
Carla
quero andar como ela e
que ela olhe para mim com seus olhos miudinhos
Qual é mesmo a cor deles? verde, me parecem
mas são tão pequeninos
já nem sei mais
Que ela venha
descalça e altiva, sorrindo
tão linda como se nem soubesse o quanto o é
e fale qualquer coisa, a qualquer hora
com o mais belo dos sotaques:
a voz de fino veludo
Que ela afaste
dos pequeninos olhos a franja
sorrindo, um cigarro aceso entre os dedos
o olhar preso ao meu, nem que seja
por só um instante
Carla, linda Carla
existirá neste mundo criatura tão bela?
o mais lindo sorriso - e vive a sorrir
tão natural e suave:
uma rainha
quarta-feira, 10 de junho de 2009
segunda-feira, 8 de junho de 2009
trauma... always leaves a scar
Não fingir simpatia já basta. não fingir que tem interesse pela chatice dos outros, terminar um assunto que já começou morno como xixi sem ressentimentos.
Como um monstro - foi assim que me descreveram.
Sou anti-social, quieta demais, esquisita demais, pareço séria demais, e tenho dificuldade para demonstrar afeto. mas eu sinto. Fui criada como um pedaço de madeira sob a chuva, fadado a apodrecer sozinho e sem compaixão. Apanhei dia após dia sem saber por que e mais de uma vez pensei que fosse morrer. mais de uma vez desejei morrer. mais de uma vez tentei morrer. Mas estou aqui, com tudo o que aprendi resistindo sozinha - para ouvir que sou vista como um monstro.
Por ser quieta demais?
Por ser esquisita demais?
Por parecer séria demais?
Eu tenho toda a dor de todos aqueles anos dentro de mim. Você pode superar alguma coisa, mas isso sempre vai estar guardado ali dentro e você vai lembrar. Ninguém sabe, porque não falo para ninguém. porque não é da conta de ninguém e não quero olhares repletos de piedade.
Alguém sabe quem sou eu? Claro que não.
Pois pensem que sou um monstro e que gosto de ser assim - é mais fácil. Afinal, caro Jack, você já tem probleminhas demais com sua paixão platônica adolescente. nossa, oh Jack, que problemão, oh que vida dura.
Eu estive pensando sobre isso no ônibus. Quase todas as pessoas que admiro têm alguma espécie de distúrbio: Devin é bipolar, Daniel G. é obsessivo. Nerds estudam Física.
É o preço. Para fazer alguma coisa que exija esforço intelectual, você tem que sacrificar alguma coisa. sua parte social. Isso não se escolhe: isso é imposto e você simplesmente agarra o que sobra: livros, videogame, seus pensamentos. é o que você faz quando cresce com a marca da rejeição, é o que resta fazer. E você cresce e te chamam de nerd, obsessivo, bipolar, monstro, e vão dizer que foi porque você quis ser assim.
sexta-feira, 22 de maio de 2009
Eu, descoberta
E eu com isso?
Eu não sei. Amanheci de luto pela tomada de consciência que a noite me trouxe, calada pela vontade de não estar. sem vontade de falar, sem vontade de encarar. Tenho ao meu redor todos esses textos, o resumo de algo abominável e também adorável, que me faz sentir burra e comum. Não tenho vontade deles, mas também não tenho vontade de C. Lispector e suas maximizações dramáticas da tomada de consciência da mulher comum - sempre igual. já tenho a minha tomada de consciência, e basta.
Descobri há alguns dias que preciso escrever. preciso, mas não como obrigação - como a que tenho com esses textos, que abarrotam minha escrivaninha e forram meu caminho até a formatura no austero salão de atos da UFRGS -, preciso para ser completa, eu mesma. Ao descobrir que preciso escrever, instantaneamente senti uma desnecessidade de me preocupar com a aparência e a opinião alheia, um relaxamento como até então nunca havia experimentado ao longo desses meus anos de existência. o fim de uma agonia que há tempos aterrorizava e sufocava minha alma: a sapiência de que eu estava fora do meu caminho, de que estava em outro lugar a peça que faltava à minha integridade sentimental.
Descobri que precisava escrever.
quinta-feira, 23 de abril de 2009
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Sexta
Meu sonho mais constante desde sempre é um campo com vários arbustos pequenos e uma grande árvore bem no meio... e a sensação que tenho é que pertenço àquele lugar. e vou passar a vida inteira procurando aquele lugar, onde eu vou me sentir inteira e toda a dor irá embora.
dor. Tenho dentro de mim tanta dor que já aceitei a impossibilidade de conviver sem isso. sei que sou melancólica e que vou passar boa parte da vida triste, que vou estar fazendo todos sorrirem e precisarem de mim e a dor vai estar ali o tempo todo sem ninguém sequer suspeitar. Não é uma questão de gostar ou de querer, mas de aceitar.
É sexta e tem lua cheia e eu quero saudá-la, vou me vestir e subir no muro para conversar com ela.
Segunda vou acordar e prometer a mim mesma novamente que não chegarei atrasada, mas tudo vai dar errado como sempre e vou chegar às 8:15. vou ligar o computador e prometer a mim mesma que não digitarei tudo bem? como foi o feriado? vou subir sabendo que vou, e a dor aqui dentro no fundo é a dor de uma criança que não quer atrapalhar, mas só quer um abraço e todos os abraços dos anos que passaram.