quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Anita

Cortinas vermelhas e encardidas deixavam transparecer o movimento da rua: o sol de inverno ainda estava alto lá fora. O quarto era pequeno: uma cama de casal espremida contra a janela ao lado de um criado-mudo com um copo d'água em cima, e as cortinas vermelhas.
A porta estava encostada; ele estava ali em pé desde o momento que entrara no quarto - deveria sentar na cama? deveria tirar a roupa? poderia tomar a água? Não, ficaria ali, de pé e vestido e com as mãos no bolso.
Não sabia o que esperar nem o que fazer. Alguém entraria pela porta, alguma moça. Que ao menos fosse um pouco bonita, então. mas fosse bonita quanto pudesse ser, a mais bonita de todas daquele lugar e da cidade inteira, não seria ela. Teria olhos azuis? poderia ter, mas não seriam os olhos dela, não seria ela nem nada dela - mas tudo o que queria era que fosse ela a entrar pela porta dentro de alguns instantes, não por aquela porta e naquele quarto com cheiro de suor e quarto fechado, mas que em outro lugar ela entrasse e olhasse para ele com aqueles olhos azuis e ficasse ali com ele e o quisesse.
Anita.
Tinha aqueles olhos azuis lindos e tristes, tanta coisa ele sabia e ela nem fazia idéia. Será que o odiava, o achava tolo, o ignorava propositalmente? Não sabia o que pensar sobre nada, devia ser apenas mais um idiota de 22 anos que agora estava ali e pensava nela.
22 anos e estava ali: um perfeito idiota
Não conseguiria fazer nada; que fosse logo embora, então. Aproximou-se da porta, agarrou a maçaneta e saiu. Uma mulher sardenta e com algumas dobras na cintura e cara de 30 anos passou por ele no final da escadaria - estaria indo para o quarto onde ele esteve? Fez bem em ter saído.
Caminhava pela rua e continuava com as mãos no bolso. o sol estava quente demais para um dia de inverno. Por que ela o ignorava? Uma pedra perfeita na beira da calçada: começou a chutá-la e depois chutou com força e atingiu a perna esquerda da garotinha que caminhava lá na frente.
Anita.
Sentia uma dor no peito só de pensar no nome dela, pensava nela e pensava naqueles olhos azuis tão claros e tristes. se ela nunca o tivesse olhado naquele dia em que ele olhou fundo nos olhos dela não estaria ali nem se sentiria o maior idiota dentre todos os caras de 22 anos.
Ainda naquela manhã cruzara com ela antes que a aula começasse, ela estava sempre com alguém e sempre passava e não o via. ou ignorava. Será que ela percebeu que ele sempre sentava atrás dela no ônibus?
Cerrou os punhos com força, as unhas machucando a palma das mãos. por uma garota, tudo por uma garota sobre a qual ele sabia tanto e não sabia nem como. e ela o ignorava - talvez até odiasse.
As classes sociais, o populismo e tudo o que todo o resto do mundo tinha para se preocupar, e ele só pensava nela. Tantas vezes a viu sozinha no ônibus, sentada na janela; sabia exatamente o que falar. e passava reto, sentava no banco de trás e ela nem o via.
I know someday you'll have a beautiful life,
I know you'll be a star in somebody else's sky,
But why,
why,
why can't it be,
can't it be mine
?
era o que mais pensava nos últimos dois meses, dessas coisas que caem como uma luva. Passava as noites bêbado e até chorava. e tinha 22 anos e era patético - bem poderia se chamar Jeremy.
Mas ela era dessas garotas do tipo que a gente nunca teria chance e ama em silêncio e desespero. daquelas que a gente lembra pelo resto da vida.