quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Anita?

Entrei na sala e sentei na parede ao lado da janela. Naquela proposta de aulas participativas e essas coisas - tudo aquilo que ensinaram ao jovem doutorzinho A. nas cadeiras da FACED quando então ele era apenas um garoto com as ambições chatas e comuns de qualquer graduando deslumbrado com a Academia - essas coisas que eu não suporto. Para que todos pudessem participar adequadamente da aula participativa que A. planejara, pediu que a turma sentasse em U.
Mal havia me acomodado, Anita entrou na sala. prendi a respiração por alguns poucos segundos: ela ainda causava esse impacto, vários dias haviam se passado e eu pensei que nunca mais me sentiria assim outra vez. mas foi só ela aparecer na minha frente e tudo voltou a ser como era. Ela sentou junto à parede do outro lado da sala, quase em frente a mim.
tudo que eu havia pensado todas as vezes que a amaldiçoei e pensei tudo de pior que poderia pensar dela todos os dias que passei sem pensar nela todas as vezes que desejei nunca mais vê-la
e bastava ela entrar na sala para eu perceber que nada mudou.
patético como sou, deveria mesmo ter imaginado. Guria do inferno. eu não queria nada disso. Inferno.
A aula começou e interrompeu minha depreciativa linha de pensamento.
não vou olhar pra ela não vou não vou e não vou olhar vou prestar atenção na aula e só e não vou nem olhar pro outro lado da sala
Bem que tentei prestar atenção na aula, mas bastaram poucos minutos para que o tédio começasse a me tentar. Virei-me na cadeira para conseguir pegar o caderninho na mochila, e na virada tive a impressão de ter visto ela olhando em minha direção.
NÃO vou olhar foi só impressão deixa assim não vou olhar NÃO vou
Rabisquei qualquer coisa no caderninho. caneta na mão direita esquerda e direita de novo. traços bobos, cubos no topo da página. Comecei a escrever alguma coisa qualquer, mas os colegas que sentavam ao meu lado também estavam entediados e lançavam olhares furtivos sobre meus garranchos. fechei o caderno e desisti.
Olhei para o teto, e sim: Anita me observava. o esboço de um sorriso no canto da boca - devia ter alguma coisa errada na minha cara. Comecei a ficar inquieto com aquilo; já não suporto quando qualquer outra pessoa olha para mim e agora ela estava ali olhando, ela que nunca antes havia sequer notado minha existência.
Fui até o banheiro e examinei atentamente meu rosto no espelho: normal e sem-graça como sempre. Entrei na sala e caminhei até o lugar em que estava sentado. não olhei na direção de Anita, mas cada passo meu parecia ser em câmera lenta e a cada palmo percorrido eu sentia que aqueles olhos azuis me observavam.
Pois bem, Anita: o que você quer?
Sentei, cruzei a perna esquerda sobre a direita e olhei direto para ela - ela me olhava de volta, o sorriso no canto da boca.
Estaria sorrindo para mim ou estaria rindo da minha cara e do meu jeito patético?
achou engraçada minha franja? meu óculos é feio? minha cara é redonda demais? meu tênis é tosco? me acha idiota? me acha comum? achou ridículo listrado e xadrez juntos? gostou da minha franja? me acha idiota? me acha feio demais? pode ser
O que você quer, Anita?