Dóris empurrou o balde com a ponta do pé e largou o pano sujo dentro. Remexeu-o na água e torceu novamente: a perna continuava doendo, doía atrás do joelho esquerdo havia mais de um mês. mas agora faltava pouco, o salão de festas estava quase todo limpo e só faltaria passar a enceradeira e pronto: daí sim estaria tudo acabado.
A campainha ecoou pela casa. Passando pelo hall, Dóris parou por um instante em frente ao espelho para conferir se a presilha do cabelo estava ajeitada como deveria - perfeita.
- Olá dona Carmem, como vai? - falou Dóris.
- A gente vai indo Dóris, vai indo e tentando ser feliz como pode. - respondeu a outra.
- É, dona Carmem, não ta fácil pra ninguém. Mas vem cá: tu deu uma boa emagrecida né?
- Meniiina, aquele chá faz milagre, precisa só ver! Olha aqui, vem cá ver: a calça frouxa na cintura! Dá pra acreditar?
- Tô louca de vontade de tomar também, mas não acho jeito de ir lá no Mercado comprar. Coisa séria!
- Mas a gente vai levando, Dóris, tem que ir levando como dá. A Miriam tá na piscina?
- Não, hoje ela tá lá na biblioteca. Mas vai entrando, pode passar lá que a senhora já conhece o caminho.
- Pode deixar.
Dóris enrolou o pano no rodo e voltou a esfregar o chão: faltava pouco.
- E aí sumida!
- Aiiii Carmeeem! Quase me mata do coração, sua cachorra!
- Já que tu não dá notícias eu vim atrás pra ver como tu anda! Mas me diz: como vão indo as coisas?
- Quer um café?
- Quero.
- Açúcar ou adoçante?
- Agora pode ser açúcar, com aquele chá eu nem preciso mais me preocupar com adoçante!
- Ah, então tu tá mesmo tomando? Eu quase ia te perguntar se tu não tinha feito uma lipo, guria! Nunca antes te vi assim tão magra.
- Olha, esse chá faz milagre, é fora de sério.
- Ó: cuida que tá quente. Mas senta, vamos sentar ali nas poltronas.
Miriam foi até a janela e abriu a cortina. Arrastou uma poltrona até a frente da outra poltrona e sentou. Carmem sentou na outra poltrona.
- Mas deixa eu te dizer: tô ficando quase maluca. - disse Carmem.
- Tu parece mesmo um pouco abatida...
- Sabe, estão me enlouquecendo lá no departamento. Tu acredita que querem negar o meu pedido de pós-doutorado? dá pra acreditar numa coisa dessas?
- Mas que absuuurdo!
- Eles me disseram bem assim: tu não precisa disso, e acho que fazer um pós aqui na Universidade não seria uma boa opção. Mas eu disse que eu sou técnica porque eu quero, porque eu poderia muito bem dar aula mas acontece que eu quero mesmo é ser técnica.
- Que absuurdo!
- Sim, é um verdadeiro absurdo. Se parar pra analisar, eu tenho muito mais artigo publicado que muito professor de lá, mas eu quero continuar sendo técnica. E agora vão dizer que eu não preciso de pós? Mas olha, eu sei o que tá acontecendo: tem alguém lá que não vai muito com o meu jeito, porque eu se tenho que falar alguma coisa falo mesmo, não fico por aí fingindo e apertando a mão de ninguém, de ninguém! Só em 2008 eu publiquei 5 artigos, é muito mais do que qualquer professor de lá publicou.
- Só pode ser que tem alguém botando olho gordo.
- Sabe que eu até fui me benzer? Eles não sabem é que se eu for fazer o pós vai ser melhor pra própria Instituição, porque eu tô quase conseguindo uma patente inédita! Vão ver só: já dei entrada no pedido e marquei uma reunião com o conselho da unidade, porque isso não vai ficar assim. Eles desmerecem a própria Instituição e os próprios técnicos! Daí eu já pensei o seguinte: eu faço essa pós aqui e depois faço outra no exterior, eles vão ver só!
- Mas só assim mesmo, tem que correr atrás pra conseguir o que se quer.
- Nem me fala, já tô quase ficando doente.
- Mas e a Aninha, como é que ela tá?
- Ela tá suuuper bem, bem demais até. Sabe que a vida dela deu uma reviravolta daquelas depois que ela terminou com o Francis? Se arruma toda pra sair, tá com o cabelo loiro tão bonito... precisa só ver!
- Ela conseguiu emprego?
- Olha, ela tá trabalhando num escritório e ganhando uma meeeerreca, trabalha no escritório de dois arquitetos.
- Bom, ao menos é na área dela.
- Mas tem que ser assim, né? Ela tem que levantar as mãos e agradecer a deus por ter conseguido alguma coisa na área dela! nem que seja qualquer coisa, mas ao menos assim ela não perde o gosto pelo trabalho.
- É mesmo, ficar com um diploma na mão sem trabalhar desanima qualquer um.
- Mas é como eu sempre digo pra ela: a vida a gente tem que ir levando como dá.