Eu ando com um problema de memória muito específico: nomes. sério: só nomes, e especialmente nomes de pessoas. Já tenho uma imensa facilidade para esquecer (mesmo que temporariamente) acontecimentos ruins, mas isso é uma bênção dos deuses - ainda que de tempos em tempos eu sonhe e lembre de muito que havia esquecido porque na verdade ninguém nunca esquece absolutamente nada.
Pois hoje à tarde me aconteceu, e até agora tento me lembrar de um nome. Sei quem é, o que faz, lembro de tudo a respeito. mas o nome, não. Vejamos:
é músico e toca violão
é amigo do Lennon
namorada faz medicina
Monstro do Pântano também conhece
ganhou o prêmio Açorianos com um CD que acho que se chamava “Balada de Los Buendia” - sim, era esse o nome (e DISSO eu lembro, eu que nunca li nada de García Márquez)
Mas e o nome? Nem da primeira letra eu lembro.
Era quente, uma tarde das mais abafadas em Porto Alegre. o céu cinzento, o ar parado, o suor escorrendo pelas costas. Eu com o óculos que ando usando há alguns dias, que é extra dark e gigantesco (e o fato de ele tampar boa parte do meu rosto muito me agrada), que aliado à miopia me tolhe a visão de muitíssimas coisas; tinha saído do serviço meia hora mais tarde (afinal, um dia na vida poderia ficar um pouco mais, já que chego 40 minutos atrasada todos os dias); ouvia Jethro Tull bem alto e ia para casa - onde gatos, bagunça e sombra fresca certamente encontraria. Entre a rua do brick e a Venâncio, ele - cujo nome não sabia - vinha em minha direção e disso eu também não sabia até quando ele resolveu abanar: certamente não o teria visto se não tivesse me abanado e quase me cortado a frente. No susto, tirei os fones e o óculos para ver quem era. Ahh, sim: o amigo do Lennon!
- E aí, tudo bem? - perguntou
- Tudo bem. - falei isso e estendi a mão, que ele apertou. - Como é que tu me reconheceu?
- Por que, tu tem alguma coisa diferente?
- Não mas é que eu tava com esse troço gigante na cara e olhava pro outro lado da rua.
- Eu tinha um desses também. é, era igualzinho a esse. Esqueci no ônibus quando fui tocar em Passo Fundo.
- Tá indo pra onde com esse calor?
- Tô vendo se encontro um orelhão mais silencioso, preciso fazer várias ligações. E tu?
- Pra casa. Acho que aqueles lá naquela rua são meio silenciosos.
- É, parecem ser. Tem visto os guris, Ellen? Eu queria ter falado com eles ontem, mas tava com torcicolo e não conseguia nem virar pro lado.
Ele lembrava meu nome, e eu não vou lembrar JAMAIS do nome dele se alguém não o repetir perto de mim.
- Bah, eu acho que eles tavam combinando alguma coisa pra fazer na Cidade Baixa mais tarde, tomar umas cevas.
- Ah, vou ligar pro C. então, acho que vou com eles. Umas cevas nesse calor vão bem!
- Bah, vão superbem. Mas então tá, eu vou indo. Até mais.
- Até!
Os fones e o óculos voltaram para o lugar e continuei caminhando pela tarde quente, por vezes lembrando quão melhor teria sido se tivesse pêgo um ônibus.
Com tudo que sei sobre aquele cara, não seria difícil descobrir o nome dele a qualquer instante. mas não vou. Resta uma vaga e persistente esperança: em algum momento, lembrarei do nome all by myself.