Em todos os lugares da vida, em todas as situações e convivências, eu fui sempre, para todos, um intruso. Pelo menos, fui sempre um estranho. No meio de parentes, como no de conhecidos, fui sempre sentido como alguém de fora. Não digo que o fui, uma só vez sequer, de caso pensado. Mas fui-o sempre por uma atitude espontânea da média dos temperamentos alheios.
Fui sempre, em toda a parte e por todos, tratado com simpatia. A pouquíssimos, creio, terá tão pouca gente erguido a voz, ou franzido a testa, ou falado alto ou de terça. Mas a simpatia, com que sempre me trataram, foi sempre isenta de afeição. Para os mais naturalmente íntimos fui sempre um hóspede, que, por hóspede, é bem tratado, mas sempre com a atenção devida ao estranho, e a falta de afeição merecida pelo intruso.
Não duvido que tudo isto, da atitude dos outros, derive principalmente de qualquer obscura causa intrínseca ao meu próprio temperamento. Sou porventura de uma frieza comunicativa, que involuntariamente obriga os outros a reflectirem o meu modo de pouco sentir.
Travo, por índole, rapidamente conhecimentos. Tardam-me pouco as simpatias dos outros. Mas as afeições nunca chegam. Dedicações nunca as conheci. Amarem, foi coisa que sempre me pareceu impossível, como um estranho tratar-me por tu.
Não sei se sofra com isto, se o aceite como um destino indiferente, em que não há nem que sofrer nem que aceitar.
Desejei sempre agradar. Doeu-me sempre que me fossem indiferentes. Ó rfão da Fortuna, tenho, como todos os órfãos, a necessidade de ser o objecto da afeição de alguém. Passei sempre fome da realização dessa necessidade. Tanto me adaptei a essa fome inevitável que, por vezes, nem sei se sinto a necessidade de comer.
Com isto ou sem isto a vida dói-me.
Os outros têm quem se lhes dedique. Eu nunca tive quem sequer pensasse em se me dedicar. Servem os outros: a mim tratam-me bem.
Reconheço em mim a capacidade de provocar respeito, mas não afeição. Infelizmente não tenho feito nada com que justifique a si próprio esse respeito começado quem o sinta; de modo que nunca chegam a respeitar-me deveras.
Julgo às vezes que gozo sofrer. Mas na verdade eu preferiria outra coisa. Não tenho qualidades de Chefe, nem de sequaz. Nem sequer as tenho de satisfeito, que são as que valem quando essas outras faltem.
Outros, menos inteligentes que eu, são mais fortes.
Talham melhor a sua vida entre gente; administram mais habilmente a sua inteligência. Tenho todas as qualidades para influir, menos a arte de o fazer, ou a vontade, mesmo, de o desejar.
Se um dia amasse, não seria amado.
Basta eu querer uma coisa para ela morrer. O meu destino, porém, não tem a força de ser mortal para qualquer coisa. Tem a fraqueza de ser mortal nas coisas para mim.
(*) Livro do Desassossego - Fernando Pessoa
quinta-feira, 17 de junho de 2010
domingo, 30 de maio de 2010
segunda-feira, 17 de maio de 2010
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Num quarto azul
Deitei na cama de cima do beliche e comecei a pensar sobre aquele quarto que então era meu. O armário embutido que ocupava uma parede toda, os buracos e farelos de cupim, o “Tânia, a primeira! 1980” rabiscado à caneta na parte interna da porta. Tânia deve ter desfrutado desse armário menosvelho com cheiro de madeira gostosa há exatos 30 anos, quando as roupas ainda ficavam limpas e seguras ali dentro e as prateleiras ainda existiam – não apenas seus furos -, indícios de um passado menos miserável. Se Tânia ainda vive, já deve ter passado dos 50; talvez tenha pego por hábito rabiscar cada armário novo que encontrou ao longo dos anos ou talvez já seja avó. Eu, com 23, sinto que pesaria demais rabiscar meu nome ali ao lado de Tânia, para daqui a 30 anos (pois daqui a 30 anos esse armário certamente continuará por aqui) alguém refletir e supor alguma coisa sobre minha existência, alguma coisa talvez mais digna do que terá sido minha real existência.
Li Tânia rabiscado ali e lembrei de outro lugar, outra noite, quando conheci um prédio com esse nome. Ri quando me falaram sobre esse tal prédio chamado Tânia pela primeira vez, mas quando vi a porta do armário pensei: destino? ou talvez seja só essa necessidade que às vezes parece um tanto estúpida, essa coisa de querer achar um significado em tudo. ou Tânia talvez tenha se formado aqui e foi para Lajeado construir um prédio, quando profetizou: em 2010, isso tudo fará sentido.
Mas a noite em que deitei no beliche e comecei a pensar sobre aquele outro já passou faz tempo. muitas coisas poucos dias se passaram desde o último final de semana sóbrio – breve pausa antes de tudo que estava por vir. o porvir, leve véu azul que cobre minha janela e deixa transparecer nossos anseios, de todos nós e desses anos que nos separam de algo que talvez não seja nada.
- nada não é nada - ela disse. mas pra eles era tudo, aqueles anos e o véu que brilhava com as gotas depois da chuva no sol.
Depois da noite em que deitei no beliche as coisas mudaram todas; e eles disseram:
- tudo que temos são todos esses caminhos que estão à nossa frente, mas estamos aqui parados porque isso é tudo.
Peguei minha cesta de vime e saí pelo caminho, e tudo de gostoso que há na cesta é dividido com todos que trazem tudo que têm e assim todos temos tudo e tudo é nosso.
Talvez naquela noite azul eu tenha decidido não esconder minha lunaticidade de mais ninguém, o que atraiu todos os lunáticos carentes das bandas da capital – se é que não fui eu atraída para junto deles, nova integrante do clube dos que ouvem Beatles e Dylan enquanto estudam.
Como se as coisas fizessem sentido, como se ouvisse a voz de Devin dizendo i saw god, como se eu mesma tivesse visto deus numa noite da boa, como se deus tivesse me dito
- ela não sabe o que há por vir, cubram-na com o véu!
coberta com o véu bati na porta do quarto em frente e me disseram
- pode ficar; aqui pagarás o preço por tudo que de bom existe aqui.
e eu disse
- como foi escrito
e bebi de tudo que eles tinham para oferecer, e conversei naquela noite por duzentos anos com cada um que encontrei, e lhes falei
- cada um com seu mundo, dividimos todos o mesmo universo.
nos encontraremos
quando perdermos
todo o resto.
falamos sobre como deveria ser fácil se perder desse jeito, mas você sabe que é encontrado quando começa as frases com maiúsculas.
- minhas palavras são pra todos vocês.
alguém perguntou
- vocês quem?
- vocês todos, cada você que possa existir, um você diferente quando quiser, e todos vocês quando enjoar de você.
Foi quando você saiu e disse que eu era confusa demais, disse que precisava ir e esses poucos dias que passaram desde então parece já tanto mais tempo, vocês todos parecem tão diferentes e eu sou tão vocês e tão pequena quando venta na sacada, tão leve quando é segunda de chuva que penso se não poderia sair voando se me atirasse do quinto andar
- mas o quinto andar é o melhor de todos!
você disse e eu
- sei, é por isso que não me atiro.
Copiei do quadro as questões como se fosse mesmo respondê-las, fiquei com vergonha que você pensasse que não me importo. A primeira copiei igual, e na metade da segunda comecei a falar sobre como chovia e como era cinza a segunda e que coincidência que era falar sobre a segunda justamente na segunda questão. então era eu parada no meio daquela rua calçada de cinza, por onde nem os carros nem você passavam. e era eu como se estivesse na rua; era eu no ônibus e fora era cinza e verde e chovia quando você disse
- oi, pequena
e daí era eu 4 anos dizendo
- feliz dia das mães, é chuva é chuva
e você vindo por cima da ponte com a cabeça cheia de luz do sol, logo atrás todachuva do mundo e os trovões
- somos você, somos todos os vocês que te encontrarão.
é você agora e eu daqui a 20 anos, sentada no ônibus com a chuva lá fora e pensando o que terá acontecido com aquele quadro que tinha um anjo e duas crianças sobre uma ponte, é você dizendo:
sou você há 10 anos: brilhará como brilhei e sofrerá.
é você há 10 anos, sentada no ônibus grata por ser quente e seco ali, tão parecido com metrô europeu só que mais amarelo, ali você pensou: ama: e percebeu que toda a chuva era ali fora como você nunca seria, fluindo do pó à lama e terminando cada madrugada numa outra cama.
- não consigo dormir
você disse, mas o que ouvi foi você querendo um chocolate alpino e falando sobre um almoço feliz numa cidade cheia de zumbis, então eu queria que você parasse de misturar doces com essas coisas, te puxei pra cima de mim e você disse
- quero dormir
fiz um pensamento circular e coloquei-o sobre sua cabeça como uma coroa, um halo de luz do sol, a chuva batia contra a janela e o dia já não era cinza: era noite
me puxou sobre você quando o escuro era bom
- é todo esse vazio que está entre minhas pernas: preencha-o
e estive dentro de você até que não me quisesse mais, até raiar outro dia onde você continua parado no meio da rua, onde estive há vinte anos e quis me perder.
- fujo quando cai a noite porque a chuva me faz fluir.
crescemos com a imaginação longe daqui, lá onde se pode ouvir os teclados espaciais de uma saga em terras longe demais de se alcançar.
Li Tânia rabiscado ali e lembrei de outro lugar, outra noite, quando conheci um prédio com esse nome. Ri quando me falaram sobre esse tal prédio chamado Tânia pela primeira vez, mas quando vi a porta do armário pensei: destino? ou talvez seja só essa necessidade que às vezes parece um tanto estúpida, essa coisa de querer achar um significado em tudo. ou Tânia talvez tenha se formado aqui e foi para Lajeado construir um prédio, quando profetizou: em 2010, isso tudo fará sentido.
Mas a noite em que deitei no beliche e comecei a pensar sobre aquele outro já passou faz tempo. muitas coisas poucos dias se passaram desde o último final de semana sóbrio – breve pausa antes de tudo que estava por vir. o porvir, leve véu azul que cobre minha janela e deixa transparecer nossos anseios, de todos nós e desses anos que nos separam de algo que talvez não seja nada.
- nada não é nada - ela disse. mas pra eles era tudo, aqueles anos e o véu que brilhava com as gotas depois da chuva no sol.
Depois da noite em que deitei no beliche as coisas mudaram todas; e eles disseram:
- tudo que temos são todos esses caminhos que estão à nossa frente, mas estamos aqui parados porque isso é tudo.
Peguei minha cesta de vime e saí pelo caminho, e tudo de gostoso que há na cesta é dividido com todos que trazem tudo que têm e assim todos temos tudo e tudo é nosso.
Talvez naquela noite azul eu tenha decidido não esconder minha lunaticidade de mais ninguém, o que atraiu todos os lunáticos carentes das bandas da capital – se é que não fui eu atraída para junto deles, nova integrante do clube dos que ouvem Beatles e Dylan enquanto estudam.
Como se as coisas fizessem sentido, como se ouvisse a voz de Devin dizendo i saw god, como se eu mesma tivesse visto deus numa noite da boa, como se deus tivesse me dito
- ela não sabe o que há por vir, cubram-na com o véu!
coberta com o véu bati na porta do quarto em frente e me disseram
- pode ficar; aqui pagarás o preço por tudo que de bom existe aqui.
e eu disse
- como foi escrito
e bebi de tudo que eles tinham para oferecer, e conversei naquela noite por duzentos anos com cada um que encontrei, e lhes falei
- cada um com seu mundo, dividimos todos o mesmo universo.
nos encontraremos
quando perdermos
todo o resto.
falamos sobre como deveria ser fácil se perder desse jeito, mas você sabe que é encontrado quando começa as frases com maiúsculas.
- minhas palavras são pra todos vocês.
alguém perguntou
- vocês quem?
- vocês todos, cada você que possa existir, um você diferente quando quiser, e todos vocês quando enjoar de você.
Foi quando você saiu e disse que eu era confusa demais, disse que precisava ir e esses poucos dias que passaram desde então parece já tanto mais tempo, vocês todos parecem tão diferentes e eu sou tão vocês e tão pequena quando venta na sacada, tão leve quando é segunda de chuva que penso se não poderia sair voando se me atirasse do quinto andar
- mas o quinto andar é o melhor de todos!
você disse e eu
- sei, é por isso que não me atiro.
Copiei do quadro as questões como se fosse mesmo respondê-las, fiquei com vergonha que você pensasse que não me importo. A primeira copiei igual, e na metade da segunda comecei a falar sobre como chovia e como era cinza a segunda e que coincidência que era falar sobre a segunda justamente na segunda questão. então era eu parada no meio daquela rua calçada de cinza, por onde nem os carros nem você passavam. e era eu como se estivesse na rua; era eu no ônibus e fora era cinza e verde e chovia quando você disse
- oi, pequena
e daí era eu 4 anos dizendo
- feliz dia das mães, é chuva é chuva
e você vindo por cima da ponte com a cabeça cheia de luz do sol, logo atrás todachuva do mundo e os trovões
- somos você, somos todos os vocês que te encontrarão.
é você agora e eu daqui a 20 anos, sentada no ônibus com a chuva lá fora e pensando o que terá acontecido com aquele quadro que tinha um anjo e duas crianças sobre uma ponte, é você dizendo:
sou você há 10 anos: brilhará como brilhei e sofrerá.
é você há 10 anos, sentada no ônibus grata por ser quente e seco ali, tão parecido com metrô europeu só que mais amarelo, ali você pensou: ama: e percebeu que toda a chuva era ali fora como você nunca seria, fluindo do pó à lama e terminando cada madrugada numa outra cama.
- não consigo dormir
você disse, mas o que ouvi foi você querendo um chocolate alpino e falando sobre um almoço feliz numa cidade cheia de zumbis, então eu queria que você parasse de misturar doces com essas coisas, te puxei pra cima de mim e você disse
- quero dormir
fiz um pensamento circular e coloquei-o sobre sua cabeça como uma coroa, um halo de luz do sol, a chuva batia contra a janela e o dia já não era cinza: era noite
me puxou sobre você quando o escuro era bom
- é todo esse vazio que está entre minhas pernas: preencha-o
e estive dentro de você até que não me quisesse mais, até raiar outro dia onde você continua parado no meio da rua, onde estive há vinte anos e quis me perder.
- fujo quando cai a noite porque a chuva me faz fluir.
crescemos com a imaginação longe daqui, lá onde se pode ouvir os teclados espaciais de uma saga em terras longe demais de se alcançar.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Gia
Yeah, I go see, I go see.
Nobody sees me.
"Ah, piece of meat, come here.
Show me your bag."
And they stick their finger in you.
"I just wanna taste your temperature."
Go see, go see, go see,
go see somebody else.
I ain't no good at this.
I ain't no good at this at all.
But even if you are good at it,
what, exactly, are you good at?
(trecho do diário de Gia Carangi)
Nobody sees me.
"Ah, piece of meat, come here.
Show me your bag."
And they stick their finger in you.
"I just wanna taste your temperature."
Go see, go see, go see,
go see somebody else.
I ain't no good at this.
I ain't no good at this at all.
But even if you are good at it,
what, exactly, are you good at?
(trecho do diário de Gia Carangi)
terça-feira, 4 de maio de 2010
the unforgettable fire
walk on by
walk on through
so sad to beseige your love so head on
stay in this time
stay tonight in a lie
i'm only asking but i
i think you know
come on take me away
come on take me away
come on take me home
home again
walk on through
so sad to beseige your love so head on
stay in this time
stay tonight in a lie
i'm only asking but i
i think you know
come on take me away
come on take me away
come on take me home
home again
(U2)
sábado, 1 de maio de 2010
nada
essas coisas não são tão óbvias quanto podem parecer após uma garrafa de vinho numa sexta à noite para curar um orgulho ferido.
eu não tenho orgulho
nem o que ferir:
não bebo.
vem você com o coração engolido pela razão comprada num sebo
- custou bem barato
e acredito mesmo: você esteve atrás de uma razão qualquer,
agarrou-a e seguiu
sem sentido
sem sentir
e todos os caminhos do mundo
te levam
para o meio
do nada.
você conhece todas as palavras mais difíceis para falar sobre o nada
e quando surge algo para ser dito
- elas me fogem todas
é o que diz.
nothing
rien
nada
niente
nichts
me diz ao ouvido, como se eu estivesse competindo para saber mais sobre o nada que você
- mas ei
digo
- não sei palavras bonitas, e algumas pessoas simplesmente não merecem
nenhuma.
eu não tenho orgulho
nem o que ferir:
não bebo.
vem você com o coração engolido pela razão comprada num sebo
- custou bem barato
e acredito mesmo: você esteve atrás de uma razão qualquer,
agarrou-a e seguiu
sem sentido
sem sentir
e todos os caminhos do mundo
te levam
para o meio
do nada.
você conhece todas as palavras mais difíceis para falar sobre o nada
e quando surge algo para ser dito
- elas me fogem todas
é o que diz.
nothing
rien
nada
niente
nichts
me diz ao ouvido, como se eu estivesse competindo para saber mais sobre o nada que você
- mas ei
digo
- não sei palavras bonitas, e algumas pessoas simplesmente não merecem
nenhuma.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
terça-feira, 27 de abril de 2010
would?
todo mundo tem que ir tem que ir tem que ir
pra onde todo mundo vai?
todo mundo sempre vai
meu quarto cheio - tanta gente vem, tanta gente sorri, tanta gente quer estar aqui
mas todo mundo sempre vai.
quando o coração pesa
estou sempre sozinha no meio de todos.
todos estão, mas ninguém com quem eu queira estar.
pra onde todo mundo vai?
todo mundo sempre vai
meu quarto cheio - tanta gente vem, tanta gente sorri, tanta gente quer estar aqui
mas todo mundo sempre vai.
quando o coração pesa
estou sempre sozinha no meio de todos.
todos estão, mas ninguém com quem eu queira estar.
sábado, 17 de abril de 2010
sábado, 10 de abril de 2010
party people
A João Alfredo lotada depois da meia-noite, cada garota passando com um perfume diferente e enjoado que nem cabelo liso. e eu sozinha, com meus fones e aquela cara de quem saiu de casa às oito da manhã e passou o dia na rua - que é a cara daqueles que gostam de andar sozinhos pela noite.
gosto de andar sozinha por aí e pensar em você.
O violator a todo volume, cheio de promessas que algum dia talvez já tenham sido cumpridas por alguém
I'll take you to the highest mountain
To the depths of the deepest sea
And we won't need a map
Believe me
Now let my body do the moving
And let my hands do the soothing
Let me show you the world in my eyes
Você acredita? eu, sim.
Todas as garotas com calças tão iguais, todas tão bonitas e tão dispostas a passar uma noite como toda uma vida igual. Passei por entre todos como uma sombra, na estranha alegria de andar sozinha por entre as luzes coloridas, a vontade de estar aí longe crescendo a cada esquina. Acendi um cigarro e lembrei do cáqui que Alice me deu no começo da tarde quando disse: "eu mesma colhi". mas em poucos segundos meus pensamentos, todos eles, voltaram pra você e assim continuaram até eu chegar em casa e até agora.
gosto de andar sozinha por aí e pensar em você.
O violator a todo volume, cheio de promessas que algum dia talvez já tenham sido cumpridas por alguém
I'll take you to the highest mountain
To the depths of the deepest sea
And we won't need a map
Believe me
Now let my body do the moving
And let my hands do the soothing
Let me show you the world in my eyes
Você acredita? eu, sim.
Todas as garotas com calças tão iguais, todas tão bonitas e tão dispostas a passar uma noite como toda uma vida igual. Passei por entre todos como uma sombra, na estranha alegria de andar sozinha por entre as luzes coloridas, a vontade de estar aí longe crescendo a cada esquina. Acendi um cigarro e lembrei do cáqui que Alice me deu no começo da tarde quando disse: "eu mesma colhi". mas em poucos segundos meus pensamentos, todos eles, voltaram pra você e assim continuaram até eu chegar em casa e até agora.
domingo, 21 de março de 2010
estou aqui, estou sozinha
Olhei minha cara no espelho: não lembro quando foi a última vez que tive olheiras tão fundas. penso se são por dormir no sofá, por não lembrar de sonho algum ou por não ter sono. ou talvez pudesse ser o coração partido ou o calor, ou talvez fossem todos juntos mais a fome. E comecei a pensar um pouco sobre a época atual: como pode doer tanto e ao mesmo tempo tamanha leveza? talvez tenha feito tudo que pude, mas às vezes tudo não é muita coisa, e é então que você passa a fazer nada e vai pra longe e fica um tempo embaixo da cama esperando que o dia melhore. Chego a pensar que Queen me fez persistir e continuar fazendo o melhor possível. nunca imaginei que fosse baixar aleatoriamente um álbum do Queen e ouvir sem parar, e também nunca pensei que fosse num show do Megadeth e que eles tocariam todo o RIP. Pensei que iria contigo, mas agora torço pra não te encontrar por lá porque sei que você também não vai perder isso por nada. Pensei em fazer outra tatuagem e te convidar pra ir junto, pensei em perguntar se você também não achava genial Smooth Criminal vir logo depois de Dirty Diana, pensei em te ligar.
sábado, 20 de março de 2010
Violetas

Em 1963, o monge budista Thich Quang Duc ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra a perseguição religiosa no Vietnã do Sul. O fotógrafo Malcolm Browne registrou o silencioso protesto do monge nas ruas de Saigon. morreu imóvel, sem emitir um suspiro sequer.
É a imagem da fé suprema em algo que transcende a lógica, e pra mim também ilustra a frase de Mark Twain: "Perdão é o perfume da violeta sob o calcanhar por qual foi esmagada". Eu acredito em karma, ele existe e vejo-o claramente: vejo a dor que algúem causa, vejo a dor que recebe logo ali adiante. Nunca devemos dizer (ou mesmo pensar): por que você fez isso comigo? Ninguém pode fazer algo conosco sem que consintamos com isso em algum nível.
Aprendemos a culpar os outros - às vezes até encontramos alguém que assume a culpa que é nossa, em silêncio, e daí nossa razão está satisfeita. Aprendi que não faz diferença discutir de quem é a culpa ou jogar nossa razão na cara de alguém, porque cada um sabe a verdade em seu coração (ainda que inconscientemente). E é por essa verdade que pagamos, não pelas coisas que inventamos pra justificar e dar sentido racional a todo o resto; a dor que você causa agora é a dor que caminha ao seu encontro e que te tocará onde mais machuca: é a solidão, é o carro roubado, é o corpo ferido.
Não vou desistir desse caminho, não vou deixar de sonhar. Estou caindo aos pedaços, mas vejo ali fora alguns raios de sol e resta em meu coração, lá no fundo, esperança - e é isso que me faz sorrir depois de chorar. Viver sem esperar nada é viver sem esperança, na frieza da apatia; não desisti: ainda resta calor aqui dentro.
segunda-feira, 15 de março de 2010
sexta-feira, 5 de março de 2010
Queen e outras duas coisas que não tem nada a ver com nada


ffffound!
***
***
Insanity laughs under pressure we're cracking
Can't we give ourselves one more chance
Why can't we give love that one more chance
Why can't we give love give love give love give love
give love give love give love give love give love
'Cause love's such an old fashioned word
And love dares you to care for
The people on the edge of the night
And love dares you to change our way of
Caring about ourselves
This is our last dance
This is ourselves
Under pressure
Under pressure
Pressure*
(*) Under Pressure - Queen
quinta-feira, 4 de março de 2010
ameixas, Inglaterra e Joana d'Arc
ela perguntou se eu aceitava um chá, e respondi que sim se fosse daquele bem vermelho, e foi pra cozinha e começou a me contar sobre os terremotos no Chile, porque era uma coisa muito triste tudo que estava acontecendo, 2012 chegando, vai ser que nem naquele filme aquele que tem aquele cara lá que eu não gosto, primeiro foi no Haiti e logo logo vai ser aqui ou até mesmo nas Malvinas, e falou que parece que a disputa entre Inglaterra e Argentina tá reesquentando porque nas Malvinas é só pedra que tem lá mas embaixo tem muito petróleo, daí perguntou o que eu achava, porque ela acha que os ingleses vão redominar o mundo em 2012, "tu vê só, eles começaram com a música e vão conquistar TUDO, e tu viu só como eles são cool? tu vai ver só quando chegar 2012". ela vivia falando em 2012, assistiu um milhão de programas sobre isso tomando chá e se impressionou, tadinha - confesso que também penso um pouquinho nisso, mas ela acha que é muito possível que a humanidade acabe com um meteoro ou com a expansão do sol para o fim ou com uma invasão alieníngina ou com o redomínio inglês, e ficava brava quando eu dizia que isso seria ótimo porque começaria o reinado das baratas sobre a Terra e que elas seriam tão evoluídas quanto nós somos em relação aos dinossauros. ela me estendeu uma xícara de chá e disse pra tomar cuidado porque estava muito quente e que se tomasse agora queimaria o céu da boca, falou que era um chá pra desinchar o corpo e que fazia mais efeito quando se tomava morno; eu disse que ela parecia mais inchada que o normal, assim inchada de grávida, e ela ficou meio brava - eu percebi, e daí ela disse que aquilo era inchaço de tpm e começou a falar sobre ameixas
"que ameixas?"
"é que hoje de tarde eu achei que tinha ameixa na geladeira, mas fui ver e só tinha maçã - e ai, tô táo enjoada de maçã!"
"sei como é"
mas olha que eu não sabia, porque nunca tive um desejo alucinante de comer ameixa, e se parar pra pensar posso dizer que nunca tive por nada um desejo alucinante: ameixa, cerveja, sexo, conhecimento, safáris. ouvi ela perguntar
"tu acha que isso pode acontecer?"
"desculpa, querida, acontecer o que mesmo?
"isso que eu te disse que vi no sonho, de o magma do centro subir todo e incendiar o planeta? será que é um sonho profético? e se fosse - imagina só: quando as fendas surgissem nas Malvinas eu saberia o que viria em seguida. e se eu fosse falar com um vidente? será que ele saberia dizer se é verdade isso?"
era outra coisa que ela fazia com frequência. acho que devia ter inconscientemente o desejo alucinante de ser uma espécie de Joana d'Arc. uma vez eu disse que ela deveria tentar abrir uma igreja, que tem tantas por aí que nem deve ser difícil conseguir uma licença - será que existe licença pra abrir igreja? mas bom, se ela abrisse uma igreja e conseguisse reunir uns malucos que acreditassem nesses sonhos ela poderia começar a se sentir um pouco Joana. ela ficou um pouco incomodada com esse comentário (fiquei até com a impressão de que minhas visitas devem irritá-la e muito), então expliquei que isso poderia acontecer, era só esperar os malucos chegarem até ela, porque as pessoas têm essa necessidade de pertencer a um alguém um deus uma empresa, e daí elas se juntam a qualquer coisa dessas que dê sentido a algo que elas queiram pertencer. ela pensou um pouco e achou a idéia interessante, só que nunca faria algo assim porque seria um embuste
"o que é um embuste?"
"é uma coisa assim falsa"
"ahh... uma espécie de mentira, então?"
"mas uma baita mentira, uma bem ardilosa"
"tipo o grande golpe da lipo?"
"é, isso é um baita embuste"
seria um embuste exigir dinheiro pela fé das pessoas, que cada um deveria ter seu próprio altar em casa e honrar aos deuses que bem quisesse, isso sim, porque se todos os deuses que existem estivessem se sentindo importantes nada disso estaria acontecendo pelo mundo, que era a grande vingança não apenas do planeta mas de todo o universo e que
"vou ali na fruteira comprar cigarro"
"traz ameixa pra mim? daquelas vermelhas"
"se tiver dessas eu trago"
fui e voltei com um maço de Marlboro e umas três ameixas, e ela já havia terminado o chá e servido uma bandeja com bolo de maçã
"tu não tinha enjoado de maçã?"
"de maçã crua. assim cozido fica diferente, tipo banana"
"eu não acho que maçã cozida se pareça com banana"
"nããão, eu quis dizer que maçã cozida tem gosto diferente, assim como a banana cozida também fica melhor do que banana pura"
"ah"
às vezes eu pensava que esses chás que ela tomava faziam um pouco mal, que ela não andava muito certa das idéias. ela pegou uma ameixa e acendeu um cigarro.
"essa é a única do saco que presta, tu não sabe escolher ameixa"
"não tinha nenhuma que prestasse lá na fruteira"
"então não devia ter trazido!"
"mas tu disse que queria ameixa!"
"sim, mas quando elas não tão boas a gente não traz"
"tu tá comendo isso e fumando, nem tá sentindo gosto de nada"
"mas sinto a consistência"
ela ligou a tv e disse que tinha dado pau no gato da tv a cabo, que muito provavelmente o que teria de melhor pra olhar a uma hora dessas seria Boa Tarde com Marlei Soares e começou a pular de canal pra canal; parou num que mostrava uma animação com lava vulcânica e o repórter falando por telefone
...e o governo inglês já providenciou o envio de tropas para averiguar a situação; enquanto isso, boa parte da população das ilhas foi acolhida em território argentino e o restante está a caminho. Aqui em Buenos Aires o clima é de alerta, mas ninguém sabe ao certo o que está acontecendo nas Malvinas, conhecidas pelos ingleses como ilhas Falkland. Sabe-se apenas que uma enorme cratera irrompeu em uma das ilhas e foram sentidos vários tremores sísmicos no dia de ontem. De acordo com o geólogo uruguaio..."
"que ameixas?"
"é que hoje de tarde eu achei que tinha ameixa na geladeira, mas fui ver e só tinha maçã - e ai, tô táo enjoada de maçã!"
"sei como é"
mas olha que eu não sabia, porque nunca tive um desejo alucinante de comer ameixa, e se parar pra pensar posso dizer que nunca tive por nada um desejo alucinante: ameixa, cerveja, sexo, conhecimento, safáris. ouvi ela perguntar
"tu acha que isso pode acontecer?"
"desculpa, querida, acontecer o que mesmo?
"isso que eu te disse que vi no sonho, de o magma do centro subir todo e incendiar o planeta? será que é um sonho profético? e se fosse - imagina só: quando as fendas surgissem nas Malvinas eu saberia o que viria em seguida. e se eu fosse falar com um vidente? será que ele saberia dizer se é verdade isso?"
era outra coisa que ela fazia com frequência. acho que devia ter inconscientemente o desejo alucinante de ser uma espécie de Joana d'Arc. uma vez eu disse que ela deveria tentar abrir uma igreja, que tem tantas por aí que nem deve ser difícil conseguir uma licença - será que existe licença pra abrir igreja? mas bom, se ela abrisse uma igreja e conseguisse reunir uns malucos que acreditassem nesses sonhos ela poderia começar a se sentir um pouco Joana. ela ficou um pouco incomodada com esse comentário (fiquei até com a impressão de que minhas visitas devem irritá-la e muito), então expliquei que isso poderia acontecer, era só esperar os malucos chegarem até ela, porque as pessoas têm essa necessidade de pertencer a um alguém um deus uma empresa, e daí elas se juntam a qualquer coisa dessas que dê sentido a algo que elas queiram pertencer. ela pensou um pouco e achou a idéia interessante, só que nunca faria algo assim porque seria um embuste
"o que é um embuste?"
"é uma coisa assim falsa"
"ahh... uma espécie de mentira, então?"
"mas uma baita mentira, uma bem ardilosa"
"tipo o grande golpe da lipo?"
"é, isso é um baita embuste"
seria um embuste exigir dinheiro pela fé das pessoas, que cada um deveria ter seu próprio altar em casa e honrar aos deuses que bem quisesse, isso sim, porque se todos os deuses que existem estivessem se sentindo importantes nada disso estaria acontecendo pelo mundo, que era a grande vingança não apenas do planeta mas de todo o universo e que
"vou ali na fruteira comprar cigarro"
"traz ameixa pra mim? daquelas vermelhas"
"se tiver dessas eu trago"
fui e voltei com um maço de Marlboro e umas três ameixas, e ela já havia terminado o chá e servido uma bandeja com bolo de maçã
"tu não tinha enjoado de maçã?"
"de maçã crua. assim cozido fica diferente, tipo banana"
"eu não acho que maçã cozida se pareça com banana"
"nããão, eu quis dizer que maçã cozida tem gosto diferente, assim como a banana cozida também fica melhor do que banana pura"
"ah"
às vezes eu pensava que esses chás que ela tomava faziam um pouco mal, que ela não andava muito certa das idéias. ela pegou uma ameixa e acendeu um cigarro.
"essa é a única do saco que presta, tu não sabe escolher ameixa"
"não tinha nenhuma que prestasse lá na fruteira"
"então não devia ter trazido!"
"mas tu disse que queria ameixa!"
"sim, mas quando elas não tão boas a gente não traz"
"tu tá comendo isso e fumando, nem tá sentindo gosto de nada"
"mas sinto a consistência"
ela ligou a tv e disse que tinha dado pau no gato da tv a cabo, que muito provavelmente o que teria de melhor pra olhar a uma hora dessas seria Boa Tarde com Marlei Soares e começou a pular de canal pra canal; parou num que mostrava uma animação com lava vulcânica e o repórter falando por telefone
...e o governo inglês já providenciou o envio de tropas para averiguar a situação; enquanto isso, boa parte da população das ilhas foi acolhida em território argentino e o restante está a caminho. Aqui em Buenos Aires o clima é de alerta, mas ninguém sabe ao certo o que está acontecendo nas Malvinas, conhecidas pelos ingleses como ilhas Falkland. Sabe-se apenas que uma enorme cratera irrompeu em uma das ilhas e foram sentidos vários tremores sísmicos no dia de ontem. De acordo com o geólogo uruguaio..."